Saúde de Campos bilionária e problemática nas últimas décadas
Paula Vigneron - Atualizado em 23/10/2020 23:49
Secretaria de Saúde de Campos
Secretaria de Saúde de Campos / Divulgação
Ao longo das duas últimas décadas, o município de Campos recebeu mais de R$ 6 bilhões de investimentos na área da Saúde. Os dados são do Índice Nacional de Preço do Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e foram analisados pelo economista José Alves de Azevedo Neto. Os valores, no entanto, despertaram reações dos diretores dos hospitais contratualizados, que têm recorrido à Justiça para receber o repasse da verba municipal complementar à tabela do SUS. No total, segundo números apresentados pelos gestores, a dívida do município com os quatro filantrópicos passa de R$ 30 milhões. A Prefeitura declarou que, este ano, foram repassados R$ 105 milhões às unidades hospitalares.
Em artigo de análise sobre o tema, o economista e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) José Alves de Azevedo Neto, baseado em dados do IPCA, detalhou que, entre 2001 e 2019, a Saúde de Campos recebeu cerca de R$ 6,35 bilhões em investimentos. Considerando os três primeiros anos de cada gestão, a verba orçada para a Saúde, na época de Arnaldo Vianna, foi de mais de R$ 315 milhões. Neste caso, não foi confirmado, no Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), se a quantia foi totalmente investida. Já no governo de Alexandre Mocaiber, a pasta recebeu cerca de R$ 1,63 bilhão em investimento. Nos três primeiros das gestões de Rosinha Garotinho e Rafael Diniz, os valores destinados à área foram, respectivamente, R$ 2,01 bilhões e R$ 2,39 bilhões.
A despeito dos recursos injetados na Saúde, diretores dos hospitais contratualizados criticaram a falta de atenção com as quatro unidades. Renato Faria, diretor da Beneficência, destacou que, apesar dos investimentos, os gestores municipais não se atentaram ao principal problema relacionado à Saúde. Entre março e setembro, o hospital, que também abriga o Centro de Controle e Combate ao Coronavírus, recebeu apenas duas parcelas da verba municipal, que complementa a tabela do SUS, desatualizada há mais de 20 anos. O depósito, feito no início do mês de outubro, foi de R$ 1,5 milhão. A dívida total do município não foi informada.
— Em minha opinião, nenhum desses governos enfrentou o real problema, que é adequar os gastos da Saúde ao tamanho real do orçamento. Essas dívidas do governo passado e desse governo desequilibraram todos os hospitais, que sempre trabalharam no limite do equilíbrio. Quando falta um mês de pagamento, desorganiza porque ninguém tem reserva para suportar um, dois meses. Teve momento de quatro, cinco meses de atraso, no final de 2019. Foi muito complicado — declarou, ressaltando que os contratualizados são responsáveis por 70% das internações na cidade.
Diretor da Santa Casa de Misericórdia, Cléber Glória afirmou que a unidade hospitalar está sem receber a verba municipal desde janeiro deste ano e que os repasses recentes foram feitos por meio de bloqueio judicial. Atualmente, a dívida está em R$ 7,7 milhões. O gestor relatou que, em caso de óbitos registrados por conta de falhas no repasse, o prefeito, Rafael Diniz, pode ser pessoalmente responsabilizado por determinação judicial.
— O município, quando pagava o repasse, gastava R$ 4,5 milhões por mês com os quatro filantrópicos. Ou seja, menos de R$ 1,1 milhão para cada hospital, ao passo que a folha de pagamento do Hospital Geral de Guarus (HGG) é de R$ 7 milhões. Basta olhar o Portal da Transparência. Sobram recursos em Campos, mas são investidos na rede própria. Gostaria de solicitar ao futuro gestor do município que coloque pessoas com formação em gestão em Saúde para debater com os filantrópicos, que compram mais barato e são mais eficazes no atendimento. Tem que destinar recursos para os hospitais de pronto-socorro também, mas reduza o peso da máquina pública e repasse (recursos) para os filantrópicos — disse, pontuando que as verbas federais destinadas à Covid auxiliaram nos gastos.
Representante do Hospital Escola Álvaro Alvim, Geraldo Venâncio recordou que o compromisso da Prefeitura com a unidade é complementar a tabela de procedimento de média complexidade. Segundo o diretor, o último repasse municipal espontâneo foi feito em junho de 2019. De lá até janeiro deste ano, último mês em que a unidade recebeu a verba, os pagamentos foram por meio da Justiça. Para o ex-secretário de Saúde, que atuou no último ano da gestão de Rosinha Garotinho, há recursos para a pasta, mas falta gestão.
— O HGG, por exemplo, quando abriu em 2002, era exemplo de hospital público e, com o correr dos anos, foi deteriorando sem que as gestões conseguissem resolver a situação. Toda vez que tem processo eleitoral em curso, surgem esperanças. Qualquer que seja o próximo gestor, ele vai ter muitas dificuldades, mas penso que, se forem mais prestigiados os técnicos da Prefeitura, é possível que, em curto ou médio prazo, tenham modificações visíveis, principalmente nas emergências — avaliou. A dívida da Prefeitura com o HEAA é de aproximadamente R$ 5,6 milhões.
Referência no atendimento à gestante de alto risco, o Hospital Plantadores de Cana também tem sido afetado pela falta do repasse. Por mês, a unidade realiza, em média, 500 partos, inclusive de pacientes vindas de outras cidades. Quanto às internações, em média, são 170 pessoas por dia. O diretor Adelsir Barreto afirmou que o valor da dívida é de cerca de R$ 18 milhões. “O último repasse, de forma voluntária, foi referente a junho de 2019”, esclareceu.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que, “este ano, já repassou à rede contratualizada cerca de R$ 105 milhões e o mais recente repasse foi realizado no início de outubro. Além disso, valores foram repassados via bloqueio judicial. O município permanece refazendo seu planejamento para realização de pagamentos prioritários, inclusive dos hospitais contratualizados”. A Prefeitura destacou que “entre royalties e Participação Especial (PE), Campos já acumula perdas de cerca de R$ 190 milhões somente este ano”.
Referência no combate à Covid-19
De acordo com o presidente da Beneficência Portuguesa, Renato Faria, o repasse da verba municipal, criado no governo de Arnaldo Vianna, começou a falhar em 2015, no último ano de gestão de Rosinha Garotinho. Até então, todos os depósitos eram feitos em dia, o que proporcionou à unidade hospitalar a construção do prédio novo que abriga, hoje, o Centro de Controle e Combate ao Coronavírus de Campos.
Com a criação do CCC, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por meio do qual foram repassados ao hospital aproximadamente R$ 2 milhões para equipar o Centro e adquirir insumos para os pacientes com Covid-19. Para Renato, a priorização no combate ao coronavírus foi “um acerto”.
— O trabalho lá está sendo muito efetivo. Foi montado em tempo recorde. A conversa (sobre instalação do CCC) começou em 23 de março e, dias depois, estava de porta aberta. Já tinha toda a estrutura pronta. Juntamos a equipe da Beneficência e da Prefeitura para trabalhar para funcionar. Nem discutimos condição de nada. Isso foi feito depois. O foco era botar para funcionar — destacou o diretor da Beneficência, alertando que a procura pelo CCC “continua bastante significativa”.

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