e-mail
- Atualizado em 17/09/2020 21:04
E-mails
Cândida Albernaz
Liguei para você, não atendeu. Resolvi mandar este e-mail e espero que leia.
Quando cheguei a casa depois da viagem que fiz a São Paulo, achei seu bilhete em cima da mesa. “Não me procure por enquanto. Preciso pensar”.
Tentei respeitar seu pedido mesmo sem compreender, mas se passou uma semana e continuo não entendendo o porquê. Viajei a trabalho e nos falamos todos os dias. Não me avisou sobre suas intenções. Quero vê-la. Preciso entender. Beijos de “seu amor”.
* * *
Não pretendo falar com você tão cedo. Nem desejo ouvir sua voz. Não há problemas em que você escreva e eu leia e vice versa.
Se não percebeu minhas intenções, como diz, foi porque não quis. Afirmei várias vezes que não suportaria mais o que estava acontecendo. Suas viagens mais frequentes e seu humor cada vez pior.
* * *
Acho ridículo você se recusar a falar comigo pessoalmente ou por telefone, mas se quer deste jeito...
Meu humor em casa não era dos melhores, porque sempre que eu chegava você estava zangada ou enfiada na sala vendo televisão e mal me cumprimentava. Eu tinha apenas uma reação aos seus modos comigo.
Quanto às viagens, sempre fiz isso, desde que me conheceu. É uma das exigências do emprego e você sabe disso.
Precisamos nos falar. Não nos vemos há duas semanas. Beijos do ainda “seu amor”.
* * *
Sei que seu emprego exige que viaje. Mas não havia necessidade de que no último ano, você tivesse companhia. Tentei ir com você algumas vezes e não deixou. Descobri o motivo. Não adianta negar. Numa delas fui até o hotel em que estava hospedado e vi quando saíram juntos.
Não quero escrever sobre isso. Faz-me mal.
Se estava zangada ou assistindo a algum programa na televisão quando você chegava, era porque não sabia o que falar sem me magoar ainda mais. Senti urgência em me isolar porque não parava de pensar. Você sabe melhor do que eu sobre o que aconteceu realmente.
E não se considere mais “meu”.
* * *
Não seja boba. Passei o dia inteiro ontem ligando para você. No trabalho ninguém diz onde está. Fui ver sua mãe e ela também não sabe. Quero conversar. Não durmo mais e nem me concentro em nada. Fico o dia inteiro em frente a essa droga de computador esperando notícias suas.
Aquela mulher que viu era uma colega de trabalho. Talvez não a conheça, mas não tenho nada com ela. Só precisamos viajar juntos daquela vez.
Amo você, deixe que explique. Sinto saudades. E continuo assinando como “seu”.
* * *
Não perturbe minha mãe porque ela já tem problemas demais e não precisa que ninguém a preocupe.
Pedi licença por uns dias e não sabem mesmo onde estou.
Se você não dorme, fico feliz, porque há muito tempo não consigo dormir direito. É a sua vez. Tinha que chegar.
Quanto à sua colega, eu também tenho colegas de trabalho, mas não costumo andar na rua abraçada com eles e muito menos beijá-los na boca.
Quando esteve em São Paulo nesta semana, voltei lá e vi vocês dois. Ninguém me contou e pode ter certeza de que o que sofri foi de bom tamanho.
Você não me ama como diz e se sente saudades, vá se distrair do jeito a que está acostumado.
* * *
Vamos conversar. Não sei o que viu, mas seja lá o que for, necessito que me dê o direito de defesa. Estamos juntos há quatro anos. Não pode terminar assim. Há um mês que não a vejo. Sinto sua falta.
Querendo ou não, você terá que voltar. Sua licença terminará e não vai poder continuar fugindo.
Escute-me e tenho certeza de que vai compreender. Se queria que eu sofresse, conseguiu. Mal como ou durmo. Não consigo sair de casa com a esperança de que você apareça a qualquer momento: se me vir, vai entender o que digo. Por favor.
* * *
É claro que precisarei voltar. O mínimo que espero é que tenha respeito e não chegue perto de mim.
Não há explicação. Não desculpo o que fez. Não o quero mais.
Não pretendo retornar ao apartamento em que você mora. Pedi a uma amiga que passe aí e pegue o que é meu.
Não queria que sofresse. Ainda quero que sofra, e muito.
Só para que saiba, ficarei longe por mais algum tempo. Tenho direito a férias atrasadas e resolvi pegar agora. Também troquei o número do celular. Não preciso ouvir o que tem a dizer, meus olhos já viram.
Se não dorme ou não come, ou se desespera, tenha certeza: é um alívio para mim. Também passei por isso.
Daquela que nunca mais será sua.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Candida Albernaz

    [email protected]