Cinema: Um caso de amor em meio à epidemia
Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 21/09/2020 17:04
Raros são os filmes sobre doenças contagiosas produzidos de forma consistente. Ou lhes falta roteiro ou lhes falta direção. Excluirei os filmes em que as pessoas contaminadas se transformam em zumbis. Existem muitos. Geralmente, eles são construídos como metáforas. A economia, a sociedade e a cultura padronizantes transformam as pessoas em zumbis. E a coisa pega. Já comentei os filmes relacionados a “Extermínio”, ambos sobre epidemia de zumbis. “Rec” é um filme de terror misturado com ficção científica. “Ensaio sobre a cegueira” tem um objetivo claramente político. “Demente” é também um filme que denuncia as artimanhas do capitalismo. “Os doze macacos” mergulha muito na ficção científica, com viagens no tempo e transmissão por viajantes.
Eu destacaria três que merecem mais atenção: “Sentidos do amor”, “O enigma de Andrômeda” e “Contágio”. Amigos, parentes e conhecidos insistem para que eu busque filmes nas plataformas em vez de na minha imensa coleção de DVDs, algo completamente fora de moda e superado por meios digitais. Cedi a eles e admiti assistir a “A gripe”, filme coreano com roteiro e direção de Kim Sung-su lançado em 2013.
A atmosfera da pandemia causada pela Covid-19 vem se formando desde o início do século XXI. Paira sobre a humanidade o risco de epidemias com potencial pandêmico. A gripe H1N1, em 2009-10, prometia causar um grande estrago se saísse da China. A gripe suína começou no México e ganhou o estatuto de pandemia. Mas não se disseminou como o esperado. O ebola saiu da África, mas foi contido. Acreditou-se no início que o novo coronavírus não prosperaria. Acabou ganhando o mundo.
“A gripe” imagina um surto de gripe aviária causado por uma cepa mortal de H5N1, no distrito de Bundang, Coreia do Sul. Rapidamente, ele se propaga, matando milhares de pessoas em 36 horas. Como no filme “Epidemia”, existe uma história de amor no contexto da epidemia. Em “Epidemia”, trata-se de um amor desfeito que se recompõe. Em “A gripe”, uma médica epidemiologista separada, com uma filha pequena, é salva por um socorrista também separado. Com altos e baixos, o amor se fortalece no meio da morte.
No entanto, outros problemas afloram em “A gripe”, como está ocorrendo com a pandemia do coronavírus. Países aparentemente “civilizados”, como é a Coreia do Sul, expõem suas garras. Não apenas o governo coreano quer conter a epidemia nos limites da cidade em que eclodiu. Os Estados Unidos querem conter a doença nas fronteiras coreanas. E assim como a força policial coreana apela para a violência contra a população em pânico, os Estados Unidos ameaçam um ataque militar ao país.
Mas eis que, no meio do caos, emerge a figura firme e decidida do presidente do país. Ele ordena o bombardeio das aeronaves dos Estados Unidos e a suspensão do massacre da população pela polícia. O final é tão inconsistente quanto o final de “Epidemia”. Encontrado o hospedeiro (nesse, um macaquinho; em “A gripe”, a filha da médica, que adquirira imunidade), tudo está resolvido. Como num restaurante, os médicos pedem para preparar às pressas uma vacina salvadora. Salta uma vacina. É pra já.
Creio que voltarei aos DVDs da minha coleção.

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