Reabertura de lojas pode ser revista
Aluysio Abreu Barbosa 01/07/2020 19:32 - Atualizado em 31/07/2020 18:54
Adotada a partir de hoje, a reabertura do comércio de rua, templos religiosos e salões de beleza do município de Campos, durante a pandemia da Covid-19, pode ser revista. Sem perder de vista que são vidas humanas atrás dos números da doença, são critérios estatísticos que definirão isso: após oito dias com taxa de infecção menor que de um para um (Rt1), se esse índice voltar a ser ultrapassado, as regras de isolamento podem ser novamente endurecidas. Responsável pelos estudos estatísticos, junto a vários outros profissionais, que determinaram o afrouxamento da quarentena em Campos, o professor da Universidade Cândido Mendes (Ucam) Eduardo Shimoda explicou os critérios da sua decisão técnica ao leitor comum. Ele garantiu que os dados da doença no município continuarão sendo monitorados diariamente, com consolidação semanal dos indicadores. E alertou à “questão da conscientização da população para os cuidados necessários”.
Folha da Manhã – A partir desta quarta, 1º de julho, entra na fase amarela do combate à Covid-19, com reabertura do comércio de rua, templos religiosos e salões de beleza. Não é cedo demais? Por quê? Que explicação mais didática poderia dar desse sistema de cores?
Eduardo Shimoda – O escore geral do nosso modelo de risco vinha caindo gradativamente e, no último levantamento, descemos para 13,4 pontos. O amarelo vai de 10 a 15. Desta forma, acreditamos que é o momento adequado para flexibilizarmos de forma cautelosa e responsável. Esta escala de cores vai do vermelho, que é o maior risco, passando pelo laranja, amarelo, verde e branco, de menor risco. Estivemos por seis semanas no estágio laranja, com gradativas quedas do escore de risco, e chegamos no estágio amarelo no último levantamento.
Folha – O modelo matemático e estatístico de Campos, em que se baseou essa nova flexibilização, teve como moldes os estudos da Fiocruz, UFRJ e UFF, adaptados pela Epidemiologia do município e por você. E levaria em consideração a propagação da Covid da cidade e a capacidade do sistema de saúde. Ao leitor leigo, como eles permitiram a flexibilização?
Shimoda – Consideramos o modelo citado adequado, levando-se em conta que foi discutido e desenvolvido com participação de instituições acadêmicas que certamente têm, em seu quadro, pesquisadores gabaritados. No total, são 12 indicadores, cada qual com seu peso, agrupados em duas dimensões. A primeira é a propagação da doença: crescimento de novos casos; crescimento de pacientes internados em leitos clínicos, crescimento de pacientes internados em UTI, estágio de evolução entre casos ativos e recuperados, incidência de novos casos por 100 mil habitantes e mortalidade por 100 mil habitantes. E o segunda é a capacidade de atendimento do sistema de saúde: número de leitos de clínicos SUS por 100 mil habitantes, número de leitos de UTI SUS por 100 mil habitantes, percentual de ocupação de leitos clínicos SUS e clínicos privados; UTI SUS e UTI privados. Considerando o último levantamento semanal em comparação ao imediatamente anterior, em sete destes indicadores estamos nas faixas mais amenas: branca ou verde. Em três deles, a taxa de crescimento de internados em UTI, estágio de evolução entre casos ativos e recuperados, e mortalidade, verificou-se melhora significativa nos índices ao ponto de passarmos para faixas que indicam menor risco. Em nenhum dos indicadores pioramos de faixa, considerando as duas últimas semanas. Isso nos dá certa segurança para afirmar que estamos melhorando gradativamente e que podemos flexibilizar, sempre com muita cautela e responsabilidade.
Folha – O prefeito Rafael Diniz (Cidadania) anunciou na sexta (26) estar com Covid e, no sábado (27), a reabertura do comércio para esta quarta. No domingo (28), Campos confirmou mais uma morte, de um senhor de 96 anos, chegando ao número oficial de 107 óbitos no município pela pandemia, com outros 18 investigados. De novo aos olhos do leigo, não parece uma sucessão de fatos contrária à flexibilização?
Shimoda – Entendemos perfeitamente que estamos tratando de vidas e não simplesmente números. Para os familiares e amigos, são entes queridos e que queremos evitar que venham a ser contaminados, ou que venham a óbito. Por isso, o poder público, com importante ajuda da mídia, tem ressaltado a importância do máximo de isolamento e que a população saia de casa apenas em casos estritamente necessários. Por outro lado, embora tenhamos alguns fatos que lamentamos, também temos notícias que nos levam a crer que é chegado o momento de flexibilizarmos algumas atividades, reiterando a importância da conscientização quanto aos cuidados por parte da população. Com relatado anteriormente, a mortalidade tem caído, bem como temos observado melhoras na taxa de crescimento de internados em UTI. No último levantamento, verificamos que o número de recuperados superou o de casos ativos. Não obstante, estávamos identificando que, em semanas sucessivas, os casos novos confirmados estavam cada vez aumentando menos. E, considerando as duas últimas semanas, tivemos inclusive redução no número de casos novos. Compete ressaltar que esta redução ocorreu mesmo após o início do testagem em massa que a Prefeitura implementou.
Folha – No dia 22, uma pesquisa da Oxford, conceituada universidade britânica, alertou que oito das principais capitais brasileiras não estavam prontas para flexibilizar as medidas de isolamento social: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Fortaleza, Goiânia, Manaus e Porto Alegre. Por que com Campos seria diferente?
Shimoda – A pesquisa da universidade de Oxford que definia se um município está preparado para flexibilização utilizava como critérios principais o nível de testagem e de compreensão da população em relação ao que fazer se entrar em contato com o vírus. A Prefeitura de Campos já iniciou a testagem em massa, com previsão de realização de 30 mil testes. Embora não seja da minha competência enquanto assessor estatístico, quanto à questão dos procedimentos para evitar a contaminação e de auto-isolamento no caso de contaminação, tenho constatado que há forte preocupação por parte do prefeito, das autoridades envolvidas e da mídia, em esclarecer a população a respeito destes procedimentos. Um outro aspecto que deve ser levado em conta também é o nível de flexibilização. Acredito que o nosso modelo de retomada é um dos mais conservadores. No município de São Paulo, por exemplo, shoppings centers, comércio de rua e serviços em geral foram liberados, com restrições de capacidade, na fase laranja. Em Campos, o decreto prevê liberação do comércio de rua apenas na fase amarela e, de shoppings centers, somente na fase verde. Em São Paulo, na fase amarela, passam a ser permitidos salões e barbearias, além de bares e restaurantes, também com restrições. No caso de Campos, bares e restaurantes somente serão liberados na fase verde. Então, o plano de retomada do município é bastante cauteloso e responsável e prevê, no modelo, a possibilidade de retroagirmos no caso de piora nos indicadores. É importante frisar que a população vai ter crucial papel na contenção do avanço do Covid-19. Havendo ou não flexibilização, se a população não se conscientizar dos cuidados necessários, muitos esforços do poder público terão menos impacto do que o esperado. Nesta reabertura, a postura do comércio também será de extrema importância, não só adotando procedimentos para seus funcionários e estrutura para higienização, como também seguindo as recomendações de distanciamento dos clientes, restrição de capacidade de atendimento e somente permitindo o acesso de clientes que sigam as exigências definidas pelo poder público.
Folha – Até junho, Minas Gerais era sempre lembrada pela defensores da flexibilização como modelo, pelo número de casos bem menos que os estados vizinhos do Rio e São Paulo. E foi essa flexibilização que levou o estado no último mês a uma alta exponencial na infecção pela Covid. De novo, por que seria diferente em Campos?
Shimoda – Em Campos, desde o início foram adotadas diversas medidas de restrição e isolamento, incluindo períodos de lockdown total e parcial, para achatarmos a curva de propagação. Com isso, evitamos um grande aumento em fases posteriores. Nos modelos estatísticos que explicam a evolução da doença, existe um parâmetro denominado coeficiente angular na equação de regressão exponencial linearizada por logaritmo. Sei que são termos muito técnicos, mas, basicamente quando este coeficiente é alto, há indicativo que o crescimento é exponencial e acelerado. Em Campos, com as medidas adotadas, controlamos este coeficiente em níveis menores, que garantiram que não chegássemos ao colapso do sistema de saúde. A partir de agora, os crescimentos estimados, se ocorrerem, não serão tão altos.
Folha – Ao anunciar a reabertura do comércio, Rafael não descartou a possibilidade de voltar a endurecer as medidas de isolamento social, caso o número de casos de Covid volte a aumentar no município. Quais seriam os critérios técnicos dessa decisão? O que seria o sinal amarelo?
Shimoda – Qualquer medida de flexibilização, em qualquer local, pode levar a retomada do crescimento no número de casos, dependendo de diversos fatores, dentre os quais a questão da conscientização da população para os cuidados necessários. No nosso caso, temos uma estimativa de que este crescimento, se ocorrer, será pequeno. Existe um indicador denominado “número de reprodução”, cuja sigla é Rt, que expressa, grosso modo, quantas pessoas são infectadas por um indivíduo contaminado. Um Rt igual a 1 indica que cada indivíduo contaminado infecta mais uma pessoa e o número de infectados tende a permanecer constante. Se o Rt for maior que 1, o número de casos tende a aumentar de forma exponencial. Com o Rt menor que 1, o número de casos novos tende a diminuir. No caso de Campos, usando a chamada média móvel do número de casos novos confirmados, estamos 8 dias seguidos com o Rt menor que 1. Ao analisar a evolução deste Rt ao longo do tempo de pandemia, percebemos ciclos alternados de crescimento e queda. Os picos destes ciclos são cada vez menores ao ponto de podermos estimar que a tendência é de ficarmos com Rt menor que 1 daqui para frente. Caso a flexibilização aumente a taxa de transmissão do vírus, o valor do Rt deve aumentar, mas acreditamos que não chegará a um valor maior do 1. Se eventualmente o valor de Rt passar de 1, certamente isso impactará nos indicadores do nosso modelo que, por sua vez, mostrará que devemos retroagir. Como disse, há possibilidade de a flexibilização levar ao aumento do número de contaminados, mas as predições que fizemos nos levam a crer que não tendemos ao colapso do sistema de saúde, mesmo com este aumento. Toda predição tem uma margem de erro. Assim, já levamos em conta certa margem de segurança para evitarmos problemas maiores, embora possamos reavaliar a qualquer momento dependendo dos desdobramentos e impactos da flexibilização. Para isso, é importante o monitoramento que estamos fazendo diariamente com consolidação semanal dos indicadores. Então, resumindo, se voltarmos a piorar nos indicadores do modelo, voltamos para fases de maior rigor quanto ao isolamento.
Folha – Conhecida como “gripe espanhola”, o Influenza H1N1 tinha causado a última pandemia entre 1918 e 1920, que começou no Kansas, estado dos EUA. Desde lá, estudos apontaram que os estados americanos que impuseram quarentenas mais duras, tiveram a recuperação econômica mais rápida. Como acontece agora na comparação dos efeitos econômicos da Covid entre os vizinhos Espanha e Portugal, ou Itália e Grécia. Em sua experiência com estatística, há como “defender” a economia e brigar com os números?
Shimoda – Não acho que seja uma briga com os números, nem tampouco uma defesa da economia. Usamos os números como aliados para tomadas de decisões técnicas e embasadas. Quanto a questão de “quarentenas mais duras”, consideramos que devemos buscar a quarentena em nível adequado. Qualquer quarentena é dura, em maior ou menor proporção, dependendo de quem é “atingido”. O que procuramos é uma quarentena com níveis de isolamento e restrição com o rigor necessário e que garantam a segurança da população de acordo com os indicadores e com a evolução da pandemia no município.
Folha – Formado em zootecnia na Universidade Federal de Viçosa, você fez mestrado e doutorado em produção animal na Uenf. A sua base em estatística vem de análises experimentais, com que já ajudou mais de 100 pessoas em teses de mestrado e doutorado? Que compreensão a estatística lhe dá sobre esse novo inimigo da humanidade, numa escala que o mundo não via desde a 2ª Guerra (1939/1945)?
Shimoda – Meus conhecimentos em estatística vão além da sólida base que adquiri na minha formação acadêmica. Nós, ligados à academia, estamos sempre estudando e nos atualizando. Boa parte dos conhecimentos que tenho hoje foi obtido ao lecionar estatística e orientar em cursos de mestrado e doutorado da Ucam-Campos, o que me levou a coordenar um mestrado em Pesquisa Operacional e Inteligência Computacional e ser coordenador-adjunto do doutorado em Planejamento Regional e Gestão da Cidade, além de ter atuado como assessor estatístico na Capes, ajudando a definir variáveis, pesos e notas que determinam as notas dos todos os cursos de mestrado e doutorado do Brasil nas áreas de “Planejamento Urbano e Regional/Demografia” e “Medicina III”. Mas, isso posto, acredito que a pandemia constitui um dos maiores desafios já enfrentados na história. Foram e serão perdidas milhares de vidas e estamos em meio a uma crise econômica das mais severas já vista. As autoridades estão diante de uma situação em que precisam ter muito discernimento para tomar as decisões mais adequadas, mesmo se tratando de um vírus em que os conhecimentos não estão prontos. Muitas pesquisas estão sendo desenvolvidas e o melhor caminho certamente é tentar se embasar na ciência para que possamos atenuar o grande sofrimento ao qual todos estamos submetidos.
Folha – Por ser hoje talvez o principal epicentro da Covid no mundo, o Brasil tem sido procurado para testes de vacinas. A mais avançada vem sendo desenvolvida pela universidade de Oxford, em parceria com o laboratório AstraZeneca e a Fiocruz. Ela teria demonstrado eficácia de até 90% e há a expectativa de que comece a ser distribuída ainda este ano. Seria a solução definitiva? Até lá, o isolamento social terá que ser afrouxado e reapertado de acordo com o número de casos e a capacidade hospitalar?
Shimoda – O desenvolvimento da vacina, sem sombra de dúvidas, é o melhor dos caminhos, que vai resolver grande parte dos problemas. Só faço uma ressalva, cuja ocorrência espero que não se concretize: pode haver mutação do vírus e o problema persistir. Vamos torcer para que uma vacina realmente eficaz seja disponibilizada o quanto antes e que não haja esta mutação. Enquanto isso, vamos continuar com nosso plano de gestão da pandemia, flexibilizando quando for possível e aumentando o rigor quando necessário, tentando minimizar as mortes e evitar o colapso do sistema de saúde.

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