Artigo: Witzel, do sonho de oito anos à perspectiva de meses no Guanabara
11/07/2020 08:39 - Atualizado em 12/07/2020 10:15

O Rio de Janeiro continua...

Governador Witzel na 1ª reunião no Salão Verde do Guanabara
Governador Witzel na 1ª reunião no Salão Verde do Guanabara / Carlos Magno / Divulgação
Um dia tudo isso vai passar — oxalá não esteja tão distante! Os esforços da ciência estão aí, com várias frentes de trabalho, em busca da vacina que combata o novo coronavírus. Quem nunca se pegou pensando na primeira coisa a fazer quando o isolamento social finalmente acabar? E dentro das condições de cada um — afinal, a recessão é uma realidade —, não pensou na primeira viagem a fazer? Muitos querem, e devem, se puderem, extrapolar fronteiras internacionais. Mas, cá entre nós, no clichê, “o Rio de Janeiro continua lindo”. Tem a capital [ver o Flamengo no Maraca, seguir para uma noite na Lapa; uma tarde em Copacabana, passando pelo Arpoador; Cacique de Ramos, quadra de escola de samba; bons teatros, museus, enfim, um infinidade de opções, elencadas as preferências de quem escreve]; a Região dos Lagos, a tranquilidade da Serrana, o litoral Sul e, claro, todas as opções já conhecidas do Norte Fluminense. É um povo, na grande maioria, acolhedor. As mazelas existem, sempre estiveram aí. E, cá entre nós de novo, qual será a parcela de toda população nisso?
Há décadas o Estado do Rio de Janeiro tem os cofres públicos lesados. São crimes articulados nos corredores do Palácio Guanabara. E, novamente, outros estão sendo investigados. Todos os políticos vivos eleitos diretamente para o cargo de governador do Rio de Janeiro desde a redemocratização — o que não inclui Nilo Batista (PDT), Benedita da Silva (PT) e Francisco Dornelles (PP), que assumiram o posto a partir de impedimentos, por razões distintas, dos cabeças de chapa — foram presos entre 2016 e 2019. A eleição anterior deu um ar de esperança a muita gente, que escolheu o ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC) para o cargo, em uma campanha surpreendente e tendo como esteio o combate à corrupção.
Witzel foi um fenômeno, a reboque, é claro, do bolsonarismo, que varreu o pleito de ponta a ponta no Rio (fez a maioria dos deputados estaduais e federais, dois senadores, além de vitórias largas nas disputas a governador e presidente). Antes, no dia 6 de julho de 2018, ainda um ilustre desconhecido, que abrira mão da carreira de 17 anos como juiz federal para entrar na corrida eleitoral, ele se apresentava à redação da Folha como “um novo nome para uma nova maneira de fazer política”.
Àquela altura, pontuava em 1% nas principais pesquisas eleitorais. Isso não o desestimulava. Baseava sua campanha, além do combate à corrupção, no fortalecimento da segurança pública. É inegável que o setor teve avanços. Mas, paradoxalmente, na última quinta-feira o governador foi à Polícia Federal para prestar esclarecimentos sobre um inquérito por incitação à violência. Autor da infeliz declaração do “tiro na cabecinha”, Witzel desceu de helicóptero, em agosto do ano passado, comemorando a morte de um sequestrador que fez reféns em um ônibus na ponte Rio-Niterói. A atuação da polícia foi técnica, digna de respeito e admiração. Mas aí apareceu o governador para uma cena, no mínimo, constrangedora.
Veio a pandemia. Witzel parecia ter tomado postura totalmente coerente, de um estadista frente a um grande problema. Só que aí caiu a base do combate à corrupção. Ele passou a ser alvo de investigações de desvios na saúde em um momento extremamente delicado. Não que desvios sejam plausíveis em algum momento, mas causa muito mais espanto o fato de ser durante toda a crise sanitária causada pelo coronavírus, em um dos estados que mais mortes registraram em decorrência da Covid-19. O esquema envolvia velhos conhecidos do submundo da política, como o empresário Mário Peixoto, que perpetuava suas ramificações desde o governo Sérgio Cabral (MDB).
Caíram dois secretários de Saúde durante esse período. Um deles, o primeiro, Edmar Santos, foi preso na sexta-feira, acusado de integrar uma organização criminosa que fraudou contratos de compra de respiradores. Witzel está entre os investigados por irregularidades na contratação da Organização Social Iabas, responsável pela construção e administração de sete hospitais de campanha. Entre eles o que foi prometido para Campos, começou a ser montado, mas foi fechado antes de abrir. Mais uma vergonha para a biografia do governador, exemplo do mau uso do dinheiro do contribuinte e que só evidencia o quanto o interior não recebe apoio nenhum do Guanabara, nem mesmo neste momento de crise.
Com todos os escândalos, Witzel enfrenta um processo de impeachment. A probabilidade de não cair agora deve ser a mesma que ele tinha para ser eleito no início da corrida eleitoral de 2018. Virar o jogo, desta vez, pode não ser tão fácil. Há sinais! Ele não consegue sequer emplacar um líder do governo na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Bruno Dauaire (PSC) foi anunciado para o posto na terça-feira e recuou dois dias depois, antes mesmo de ser oficializado, por pressão do aliado e ex-governador Anthony Garotinho.
Witzel está isolado. Chegou ao Guanabara com apoio inegável do clã Bolsonaro. Na briga com o presidente, perdeu boa parte de seu seguidores, o que lhe tirou popularidade. É investigado nos setores que prometeu maior eficiência: segurança e combate à corrupção. Não tem apoio no parlamento, sequer um líder, e viu o processo de impeachment ter início por 69 votos a 0. Em julho de 2018, na Folha, Witzel, ao se despedir, disse que voltaria mais vezes, porque seria governador e pelos próximos oito anos. Conseguiu, surpreendentemente, o passaporte para os primeiros quatro. No entanto, do jeito que as coisas andam, se permanecer no cargo por mais dois meses será uma vitória política maior do que a que conseguiu nas urnas. A conferir.
Oxalá passemos por todas as crises e voltemos a falar somente das belezas do Rio! E que o nosso povo passe a ter sorte nas escolhas. Daria ainda aqui para abordar sobre um ilustre morador carioca, hoje inquilino do Palácio da Alvorada, que testou positivo para Covid-19. Não há porque desejar mal a nenhum ser humano, até mesmo quando esse parece não se importar com o bem dos outros, dissemina um discurso negacionista e minimiza os impactos do coronavírus. Que Jair Bolsonaro tenha pronta recuperação. Para não alongar sobre o assunto, fica a síntese de um dos diretores do Grupo Folha, Christiano Abreu Barbosa, em seu perfil no Facebook: “Muito azar do presidente pegar Covid-19, teve tantos cuidados...”.

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    Arnaldo Neto

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