Campista Uno de Oliveira retrata o cotidiano das redes sociais em projeto artístico
Matheus Berriel 06/06/2020 08:03 - Atualizado em 03/08/2020 17:50
Uno é filho do artista plástico João de Oliveira
Uno é filho do artista plástico João de Oliveira / Divulgação
 
“Exatamente, me chamo Uno. O mesmo nome do carro, o mesmo nome do jogo”. Assim se apresenta em seu site (unodeoliveira.com) o design gráfico Uno de Oliveira, de 40 anos. Campista radicado no Rio de Janeiro há 18, filho do artista plástico João de Oliveira, ele é líder do time de supervisores de efeitos visuais da TV Globo, responsável pelo acompanhamento técnico e artístico de séries, novelas e programas. Embora muito do seu trabalho já venha sendo visto pelo público da emissora há mais de uma década, ele ganhou notoriedade individual no dia 4 de maio, quando teve algumas de suas obras digitais expostas no telão do “Encontro com Fátima Bernardes”.
A relação de Uno com a arte começou dentro de casa. Com trabalhos expostos em várias cidades brasileiras e países como França, Alemanha, Inglaterra e Itália, o pai, João de Oliveira, tornou-se de forma natural uma referência. “Sempre tive ao meu redor lápis, caneta, pincel, papel para desenhar e coisas do tipo. Me lembro de, ainda pequeno, ajudar meu pai a fazer uns quadros, alguns processos mais mecânicos. Trabalhei bastante com ele”, recorda: “De certa forma, tenho o meu pai como uma certa influência. Todo o trabalho que ele fez com os índios, muita arte com uma pegada cultural brasileira, isso me inspira muito. É o caminho que eu acabo seguindo, a água que eu acabo bebendo. Acho que tem uma relação muito grande, apesar de a técnica ser totalmente diferente, o olhar e o momento serem outros”.
Em Campos, Uno chegou a fazer um curso de edificações na Escola Técnica Federal, atual Instituto Federal Fluminense (IFF), e estagiou em um escritório de arquitetura. Seu rumo mudou, contudo, aos 22 anos, após ser aprovado no vestibular da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) do Rio. Começou cursando administração, mas, posteriormente, optou por design gráfico, tendo concluído a faculdade em 2007.
— Quando estava no último período, chegou um e-mail da minha diretora perguntando se eu queria fazer uma oficina de computação gráfica na TV Globo. Fiz a inscrição e, depois de um processo seletivo de seis meses, recebi a mensagem de que eu tinha passado para esse programa de computação para jovens estudantes. E aí, entrei num universo que não conhecia. Comecei a ver coisas relacionadas a 3D, composição, pintura digital, coisas desse tipo. Durante muito tempo, fiquei fazendo composição de imagem. E eu tinha uma vida paralela, sempre desenhando, digitalmente e fisicamente também — conta o campista, que já atuou nos bastidores de novelas como “Tempos Modernos”, “Passione”, “Cordel Encantado”, “Avenida Brasil”, “Salve Jorge”, “Babilônia”, “A Regra do Jogo”, “Liberdade Liberdade”, “Velho Chico, “Sol Nascente”, “Novo Mundo e “O Tempo Não Para”; séries como “Malhação”, “Carga Pesada”, “A Grande Família”, “A turma do Didi” e “Ilha de Ferro”; e programas como “Criança Esperança”, “Caldeirão do Huck” e “Globo Repórter”, entre outros.
No final do ano passado, buscando aprimorar sua experimentações em desenhos digitais, Uno iniciou um projeto de fazer uma arte por dia, com o tempo máximo de 10 minutos para a execução de cada obra. Tendo como referências fotos publicadas em aplicativos e o cotidiano nas redes sociais, o designer gráfico aborda temas variados, entre eles o racismo. Desde 29 de dezembro, quase 200 trabalhos já foram publicados em seu perfil artístico no Instagram (@uno_arte).
— Os desenhos são, normalmente, baseados em fotos que tiro do Instagram mesmo. Às vezes, dou uma pesquisada no Pinterest. Mas, tenho uma lista de temas e coisas que gosto de fazer. Sempre que estou meio sem ideia, dou um pulo lá, uma consultada, e vou em cima de alguma coisa que acho que faça sentido naquele momento. Atualmente, tenho feito vários desenhos sobre cultura negra e coisas do tipo, porque acho que esse é um momento de fazer esse tipo de manifestação, mandar essa mensagem — afirma.
Partiu do produtor e artista plástico Rui Amaral o convite para Uno expor seus trabalhos no telão do “Encontro”. A exibição estava prevista para março, mas precisou ser adiada devido à paralisação das gravações do programa em virtude da pandemia.
— Ficou um tempo sem o programa. Quando voltou, teve um artista na frente, e o meu foi logo o segundo. Foi legal porque consegui ver em casa. Se fosse numa situação normal, provavelmente eu estaria na Globo — menciona o designer gráfico.
Entre retratos, paisagens e reproduções de cenas do cotidiano, Uno enxerga em seu trabalho o desafio de, em determinadas ocasiões, representar um olhar diferente para assuntos delicados.
— No momento que a gente vive, de certa forma, até a palavra artista fica meio colocada em cheque. Você se denominar artista é muito mais uma questão vaidosa do que fazer a arte propriamente dita. Acho que a arte pode ser feita de várias formas, não necessariamente por alguém que se denomina ou é um artista. Mas, sim, a ilustração e o design que eu faço e gosto de ver têm um link com política, comportamento. Na verdade, são um retrato da sociedade, de pessoas que vivem esse momento e consomem esse tipo de cultura. É uma homenagem, às vezes, a um determinado tipo de pessoa, ou uma crítica a determinado comportamento. Tenho um link bem próximo à questão política. Mas, tento tirar o peso. Talvez eu não esteja interessado em mostrar as entranhas do problema, mas em tentar mostrar a parte bonita da coisa, se é que ela existe — reflete.
 

ÚLTIMAS NOTÍCIAS