O IMPACTO DA LEI DA PANDEMIA NO DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES
15/06/2020 17:49 - Atualizado em 15/06/2020 17:59
 Ciro Mendes Freitas*
(Nota do BNB: Resumo e sumário ao final do artigo)
 
 1. INTRODUÇÃO
 
 A pandemia do novo coronavirus, iniciada no Brasil em Feveiro de 2020, trouxe uma série de mudanças que impactaram o Direito Privado em todos os seus níveis devido a necessidade urgente de isolamento social, com o fim de conter o avanço do vírus.
Em 6 de fevereiro de 2020, nasceu a Lei da Covid-19 (Lei nº 13.979/2020), que prevê medidas destinadas ao enfrentamento da situação emergencial, como a quarentena e o isolamento.
Tal medida causou grande impacto econômico, além da perda de inúmeras vidas. Um verdadeiro caos social, sanitário e econômico se instaurou e, como esperado, uma série de novas demandas surgiram.
As consequências das medidas de isolamento atingiram praticamente todos os ramos do Direito Civil, sem que houvesse uma legislação preparada para esses dias extremamente atípicos e perturbadores.
Nesses dias de caos, os juristas se mobilizaram como malabaristas na busca por soluções diante dos diversos problemas que surgiram na relação entre os particulares.
Com o intuito de solucionar o dilema jurídico imposto, o Senado Federal mobilizou-se e por meio do Projeto de Lei nº 1.179/2020 originou o Regimento Jurídico Emergencial e Transitório de Direito Privado.
Dessa forma, a Lei nº 14.010 foi publicada no dia 10 de Junho de 2020 instituindo o RJET (Regime Jurídico Emergencial e Transitório), e além de seus significativos efeitos nas demais áreas do Direito Civil, gerou também grande impacto no Direito de Família e das Sucessões.
Assim sendo, esse artigo tem por finalidade estudar as mudanças causadas pelo Regime Jurídico Emergencial e Transitório no Direito de Família e das Sucessões. Para tanto, analisaremos no primeiro tópico a nova perspectiva da prisão civil do devedor de alimentos e seus efeitos práticos e no seguinte, a analise se dará na modificação imposta quanto ao prazo para instauração do processo de inventário e partilha.
 
 
2. NOVA PERSPECTIVA DA PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS
 
 
O artigo 15 da Lei nº 14.010 afirma que:
“Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.”
A prisão civil do devedor de alimentos é a única forma de prisão civil admita no sistema jurídico pátrio (Art. 5º, LXVIII, CFRB). Sua utilidade prática e social é indiscutível.
Tal medida extrema é resultado do descumprimento voluntário e inescusável da obrigação legal de pagar alimentos.
Vale lembrar que, antes mesmo do Código de Processo Civil de 2015, o enunciado 309 da Súmula do STJ, afirmava que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.
E, segundo o § 3º do art. 528 do CPC/2015, se o executado em questão não efetuar o pagamento ou se a justificativa apresentada for rejeitada, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
Entretando, até a data estabelecida pelo RJET (Regime Jurídico Emergencial e Transitório), a saber 30 de outubro de 2020, a prisão civil do devedor de alimentos aplicar-se-á por meio da custódia domiciliar. Importante recordar que tal entendimento foi consagrado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), por meio de decisão do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino que, a pedido da Defensoria Pública da União, estendeu, em habeas corpus (HC 568.021), a todos os presos por dívida alimentar do País, os efeitos de liminar até então com eficácia restrita apenas ao Estado do Ceará.
Parece compreensível a opção pela custódia domiciliar, considerando a iminente possiblidade de contágio nos presídios. Entretando, é preciso considerar que grande parte dos devedores de alimentos só cumprem sua obrigação sob a ameaça de prisão. Com a regra estabelecida pelo RJET, ainda que o princípio da dignidade da pessoa humana o sustente, a instabilidade gerada a partir da provável inércia do devedor de alimentos, acarretará uma afronta ao princípio do melhor interesse da criança, consagrado no Art. 227 da Constituição Federal.
 
 
3. PRAZO PARA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO DE INVENTÁRIO E PARTILHA
 
 
O art. 611 do Código de Processo Civil aponta que:
“O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte.”
É importante ressaltar que quando o texto legal menciona “abertura da sucessão”, ele está se referindo diretamente a data da morte do autor da herança. Ou seja, o prazo para se instaurar o processo de inventário e partilha é de 2 (dois) meses a contar da data da morte do autor da herança.
Sendo assim, segundo a regra do CPC/2015, se a morte ocorreu em 1º de junho de 2019 o termo final do prazo se dará em 1º agosto de 2019.
O RJET (Regime Jurídico Emergencial e Transitório) gerou uma grande modificação na regra exposta acima. O seu artigo 16 afirma que:
“O prazo do art. 611 do Código de Processo Civil para sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020 terá seu termo inicial dilatado para 30 de outubro de 2020.
Parágrafo único. O prazo de 12 meses do art. 611 do Código de Processo Civil, para que seja ultimado o processo de inventário e de partilha, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da vigência desta Lei até 30 de outubro de 2020.”
Dessa forma, a regra do CPC/2015 foi alterada. E, segundo o RJET, caso a morte tenha ocorrido a partir de 1º de fevereiro de 2020, o termo inicial do prazo de 2 (dois) meses previsto no art. 611 do CPC/2015 será adiado para 30 de outubro de 2020.
O parágrafo único do Art. 16 do RJET vai além ao estabelecer que o prazo de 12 meses para se encerrar o inventário, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da vigência da Lei que instituiu o Regime Emergencial até 30 de outubro de 2020.
Na prática, se a abertura do inventário foi requerida em 10 de outubro de 2019 segundo a regra do Art. 611 do CPC/2015, o prazo se encerra em 10 de outubro de 2020. Com o RJET, o curso do prazo será suspenso e somente voltará a correr após 30 de outubro de 2020.
A mudança imposta pelo RJET é justificável, considerando a dificuldade de levantar informações e reunir documentos nesses dias de caos gerados pelo isolamento social e funcionamento parcial das instituições públicas.
Nesse caso, não haveria outra forma de garantir o direito aos herdeiros senão através da dilação dos prazos impostos pelo Art. 611 do CPC/2015.
 
 
4. CONCLUSÃO
 
 
O próprio nome já traz à luz a essência do Regime Jurídico imposto pela Lei nº 1.179/2020 – Emergencial e Transitório. As questões tratadas no presente artigo não são permanentes, mas se fizeram necessárias em razão das consequências geradas a partir do enfrentamento a esse inimigo invisível e mordaz.
Obviamente, há uma preocupação quanto a instabilidade que pode ser gerada a partir da mudança na modalidade de custódia do devedor de alimentos. Considerando o melhor interesse da criança, e a postura de alguns genitores quanto a prestação voluntária de alimentos.
É uma questão que se solidifica, mas que já gerava instabilidade e preocupações desde o início da quarentena.
Quanto a dilação do prazo para instauração do processo de inventário e partilha, a norma favorece os herdeiros considerando a dificuldade imposta pelo funcionamento parcial das intuições públicas e privadas que acaba não cooperando com a missão dos herdeiros de levantar informações e reunir documentos essenciais para abertura do inventário e até mesmo para prestar as primeiras declarações, ou para realização do inventário extrajudicial.
 
 
5. REFERÊNCIAS
 
 
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. São Paulo: Forense, 2020.
 
 
ROSA, Conrado Paulino. FARIAS, Cristiano Chaves. A prisão do devedor de alimentos e o coronavírus: o calvário continua para o credor. IBDFAM, 2020. Disponível AQUI
TARTUCE, Flávio. O coronavírus e os grandes desafios para o Direito de Família: a prisão civil do devedor de alimentos. Gen Jurídico, 2020. Disponível AQUI
Publicado originalmente em www.ibdfam.org.br
Resumo: O Senado Federal através do Projeto de Lei nº 1.179/2020 originou o Regime Jurídico Emergencial e Transitório, que ficou popularmente conhecido como Lei da Pandemia publicada no dia 10 de junho de 2020. Tal regime trouxe significativas mudanças no Direito de Família, quando em seu artigo 15 estabelece a prisão na modalidade domiciliar para o devedor de alimentos, em caráter provisório até o dia 30 de outubro de 2020. E no campo das Sucessões, em seu artigo 16, quando altera o prazo para instauração do processo de inventário e partilha.
 
 
Palavras-chave: Prisão civil; Inventário; Lei da Pandemia; RJET
 
 
Abstract: The Federal Senate, through Bill No. 1,179 / 2020, originated the Emergency and Transitional Legal Regime, which became popularly known as the Pandemic Law published on june 10, 2020. This regime brought about significant changes in Family Law , when in its article 15 it establishes the imprisonment in the home modality for the maintenance debtor, in a provisional character until the 30 of october of 2020. And in the field of the Successions, in its article 16, when it changes the period for opening of the process of inventory and sharing.
 
 
Keywords: Civil prison; Inventory; Pandemic Law; RJET
 
 
Sumário: 1. Introdução; 2. Nova Pespectiva da Prisão Civil do Devedor de Alimentos; 3. Prazo para Instauração de Processo de Inventário e Partilha; 4. Conclusão; 5. Referências.
Ciro Mendes Freitas
Ciro Mendes Freitas / ArquivoProfissional
*Mendes Freitas é advogado, membro do Ibdfam e pastor da Igreja Batista.

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    Nino Bellieny

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