Cinema: Racismo no fim do mundo
*Edgar Vianna de Andrade 30/06/2020 17:18 - Atualizado em 24/07/2020 18:32
Enquanto um técnico examina um vazamento ocorrido numa mina, ela desaba e o aprisiona. Ele pede socorro, mas não obtém resposta. É que o mundo acabou, varrido por uma nuvem nuclear que mata toda a humanidade. A duras penas, o técnico consegue chegar à superfície e não encontra ninguém. Então, ele se dirige a Nova Iorque e encontra a cidade desolada. A fotografia em preto e branco é magnífica. Ela se parece à de “Manhatta”, documentário de dez minutos feito por Charles Sheeler em 1921 e que tornou célebre. Uma grande cidade completamente deserta nos parece uma paisagem inusitada.
O homem que vaga à procura de alguém é negro (Harry Belafonte). Logo a seguir, aparece uma mulher loura (Inger Stevens). Ela teme o homem, mas eles acabam se encontrando. Este é o princípio do filme “O diabo, a carne e o mundo”, de 1959 e com direção de Ranald MacDougall, já listado por mim em outro comentário (Cidades desertas). Talvez o diabo seja a tentação sexual. A carne é o sexo que transpira de dois jovens sozinhos no mundo. Ela tem 21 anos. Não se sabe a idade dele, mas também é jovem. O mundo está vazio. O casal é uma versão de Adão e Eva no século XX.
A mulher loura e bonita de 21 anos exclama com desespero: “E agora, sou uma jovem condenada a não me casar por falta de homem!” O racismo aflora implícito. Ali está o homem, mas ele é negro e fica magoado com a mulher. Embora estejamos no fim de um mundo e no começo de outro, as duas pessoas agem como se a realidade continuasse a mesma. Para se perpetuar, a humanidade depende daquele casal. Não cabe nenhum preconceito racial.
Então é introduzido um complicador: aparece um homem branco, jovem é bonito, também sobrevivente da hecatombe. Estabelece-se uma competição entre o branco e o negro pela mulher que chega ao extremo de matar ou morrer. Algo raro na época do filme aparece: o negro tem bom caráter e renuncia à mulher. O branco é agressivo. Um verdadeiro caubói que se revela violento e meio racista.
O impasse está criado. Quem vencer ficará com a mulher. É o troféu. Existe também a questão do machismo. Mas ela percebe que não é o momento para disputá-la. Afinal, a humanidade aparentemente está resumida a três representantes dela. Convém que dois machos fecundem a fêmea para o mundo recomeçar. Ela pacifica os ânimos e fica com os dois, insinuando que, naquelas condições, não há lugar para racismo e sentimentalismos. Afinal, os três estão livres de convenções. Nenhum ritual é necessário. O sêmen do negro fecunda o óvulo da mulher loura tanto quanto o do branco.

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