A desonestidade do jornalismo bolsonarista da Record TV
- Atualizado em 28/05/2020 15:41
No último dia 20 de maio, a Record TV Interior RJ transmitiu uma matéria sobre as medidas de lockdown em Campos dos Goytacazes. Para construir a matéria, a emissora me solicitou um vídeo com análise sobre as dificuldades na implementação das medidas de isolamento social e os possíveis impactos da pandemia na oferta de serviços públicos, com destaque para o setor da saúde. Enviei um vídeo de 8 minutos com a análise, destacando que os problemas envolvendo a pandemia e a adesão às medidas de isolamento social em Campos não são específicos da cidade: as desigualdades sociais e culturais e a política de Bolsonaro atrapalham o combate à pandemia no país como um todo. Campos é um caso onde estes fatores tem peso intensificado, é uma caricatura do Brasil.
O mesmo vale para o impacto da pandemia sobre os serviços públicos: minha análise destacou a provável contradição entre uma demanda crescente e capacidades estatais deterioradas em relação à oferta de serviços públicos, apontando um possível colapso da administração pública em Campos e no país. O conteúdo do vídeo, tal como combinado com a emissora, não incluia um diagnóstico específico e detalhado sobre a situação da saúde pública em Campos. Muito menos um diagnóstico sobre o “abandono da saúde” municipal nos últimos anos.
No entanto, a matéria da Record TV distorceu completamente o sentido de minha análise. Ao anunciar minha fala (na altura de 3 minutos e 27 segundos do vídeo da matéria), a profissional afirma que “este doutor em sociologia diz que os transtornos causados pela pandemia são um reflexo do abandono da saúde no município há anos”. A distorção de minha fala é clara, indicando não só a desonestidade do trabalho jornalístico da emissora como também sua baixíssima qualidade. No trecho selecionado pela matéria, não abordo, em nenhum momento, o “abandono da saúde no município”. Que fique claro: eu poderia ter abordado este tema, pois não tenho problemas em fazer críticas ao prefeito Rafael Diniz. Já fiz muitas e continuo fazendo quando acho pertinente. No entanto, não foi este o conteúdo do vídeo. Na verdade, em relação às medidas de isolamento social, e especificamente o lockdown, eu tenho muito mais elogios do que críticas à gestão municipal. Não só apoio as medidas, como também faço duras críticas aos setores econômicos e sociais que pressionam pela flexibilização irresponsável destas. Isto está muito claro no vídeo que enviei à emissora. Faço criticas duras, do início ao fim, ao governo Bolsonaro, a seu boicote às medidas de isolamento social e à política econômica de Paulo Guedes.
A desonestidade da matéria foi ignorar o sentido geral de minha fala, presente inclusive no trecho selecionado. Por mais que comece abordando os motivos do governo municipal para decretar o lockdown, ela tem uma orientação claramente contrária à medida. Não há inocência no jornalismo. Tudo é escolha. E a escolha da Record TV, a nível nacional, é conhecida: apoiar Jair Bolsonaro e seu boicote às medidas de isolamento social, mesmo que isso exija a censura de seus próprios jornalistas e diretores de jornalismo. A matéria, de responsabilidade de Record TV Interior RJ, reflete este compromisso político com o bolsonarismo, que só pode resultar em jornalismo desonesto e de má qualidade. A direção local da emissora, como me relataram fontes seguras e internas, não apenas segue o comando empresarial vindo de cima. Ela própria é convictamente bolsonarista e pratica o silenciamento dos profissionais que ousam divergir desta linha.
É urgente diferenciar práticas e organizações jornalísticas. Especialmente quando a tarefa é defender com firmeza a liberdade de imprensa e opinião. Uma coisa é a necessidade e a liberdade de editar o conteúdo de um vídeo ou de um texto. Não há o que possa ser criticado em relação a isso. É a esfera de autonomia e responsabilidade dos profissionais do jornalismo. Há poucos dias enviei um vídeo para a Intertv Planície, de Campos dos Goytacazes, analisando o decreto da prefeita de São Francisco do Itabapoana que estabeleceu um “dia de jejum e oração”. O vídeo foi editado. Mas o sentido da minha fala não foi distorcido como fez a Record TV Interior. Nas entrevistas que concedi à Folha da Manha sobre política local e nacional sempre tive a mesma experiência de um jornalismo de qualidade e que respeita a opinião dos entrevistados. Para qualquer profissional decente do jornalismo a diferença entre editar e distorcer é sempre clara. Não é o caso da Record TV, seja a nível nacional ou local, e nem dos profissioanis que executam seu trabalho desonesto e danoso à democracia. A Record é uma empresa inimiga da liberdade de imprensa e opinião. É correia de transmissão do autoritarismo bolsonarista. Lamento pelos profissionais obrigados a se submeter a este tipo de jornalismo desonesto. E tenho nojo dos que, tendo escolha, não se rebelam contra isso. Combater o autoritarismo exige combater a Record.
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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    Roberto Dutra

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