Kit Alimentação da Prefeitura de Campos gera polêmica
Arnaldo Neto 18/04/2020 18:19 - Atualizado em 08/05/2020 18:53
A distribuição do “Kit Alimentação” por parte da Prefeitura de Campos foi um ponto bastante elogiado neste momento de pandemia do novo coronavírus, uma vez que a merenda escolar é a única refeição balanceada de muitas crianças e as aulas estão suspensas. Mas quanto isso custou aos cofres públicos, em uma compra feita com dispensa de licitação? O contrato com a empresa “Quotidien Comercial Atacadista LTDA” tem valor máximo de R$ 10.184.681,25 e duração de 90 dias. De acordo com a Prefeitura, o município só pagará pelo que for utilizado, dependendo do período de suspensão das aulas. Mas, e cada kit, quanto custa? A dúvida foi levantada nas redes sociais por vereadores de oposição e tem gerado polêmica quanto à possibilidade de superfaturamento. O valor médio do kit comprado pelo município é de R$ 64,05, enquanto uma média da compra similar em três estabelecimentos comercias da cidade é de R$ 42,53. A administração municipal informou que a celebração do contrato foi acompanhada pelo Ministério Público e que o valor final deve levar em consideração questões como empacotamento e a logística para entrega dos kits (após anúncio no Folha 1 sobre a matéria especial deste domingo, 19, a superintendência de Comunicação da Prefeitura de Campos enviou nota com os valores dos kits: R$ 41,84, no caso de 10 itens, e R$ 46,82, no que inclui uma mistura para mingau. Confira a nota completa no fim da matéria).
O cálculo feito pela bancada de oposição é simples: a Prefeitura informou que os kits serão distribuídos para 53 mil alunos. Como o contrato tem duração de três meses, seriam 159 mil. O valor global do contrato dividido pelo número previsto de kits, chega a R$ 64,05. A Prefeitura de Campos destaca, em nota, que “a empresa responsável pelo fornecimento dos kits foi selecionada após cotação de preços e todo o processo foi feito com o acompanhamento do Ministério Público. A firma foi, entre as que fazem parte do banco de cadastros da Smece [secretaria municipal de Educação, Cultura e Esporte], a que respondeu ao pedido de cotação e apresentou o menor preço”.
A administração municipal salientou, ainda, que uma compra nesta quantidade não é feita em pequenas redes varejistas e outros pontos devem ser levados em conta para o valor final do contrato: “São poucos os fornecedores que conseguem ter tamanho estoque de produtos, com pronta entrega e com logística de frete para atender um município com uma extensão territorial tão vasta. Para uma comparação, seria necessário que fizessem a cotação especificando o valor de cada item em empresas que, de fato, consigam fornecer para a Prefeitura, com a urgência que a situação pede; acrescentassem valor de pessoal para empacotamento, combustível e frete para entrega em cada uma das 236 unidades escolares, nos diferentes bairros, distritos e localidades do município, que possui 4 mil quilômetros quadrados de extensão territorial”.
A Folha esteve em dois estabelecimentos do município e averiguou o valor dos itens previstos para um kit, com preço disponibilizado ao consumidor comum, não para atacado e sem levar em consideração os pontos destacados pela Prefeitura como a logística de entrega e embalagem. Já a bancada de oposição da Câmara tinha realizado o mesmo procedimento em outro estabelecimento. O preço final não chega a R$ 44 em nenhuma das lojas visitadas. Trabalhando com o valor da cesta mais cara apurada pela Folha, o contrato global não chega a R$ 7 milhões.
Os kits são compostos por alimentos não perecíveis, sendo eles: 1kg de arroz; 1kg de feijão; 400g de leite em pó; 400g de achocolatado; 2 pacotes de biscoito (um salgado e um doce); 1kg de sal; 1kg de açúcar; 900 ml de óleo e 1 lata de sardinha. Os estudantes das creches recebem ainda uma mistura para mingau. No levantamento em três supermercados, todos os kits contêm a mistura para mingau, o que não acontece na compra feita pela Prefeitura.
Os 11 itens comprados, em Campos, no varejo
Não foi possível seguir fielmente os itens comprados pela administração municipal, uma vez que nem todas as marcas dos produtos dos kits são encontradas nos supermercados da cidade. O levantamento levou em conta a similaridade, mantendo a mesma linha do que foi adquirido pela Prefeitura, com o produto mais barato disponível em cada supermercado. Em muitos casos, o mais barato é de qualidade muito superior ao produto comprado pelo município.
O primeiro levantamento que ganhou as redes sociais foi feito pela base de oposição na Câmara. Os vereadores Cabo Alonsimar (Podemos), Eduardo Crespo (PSC) e Josiane Morumbi (Pros) fizeram a compra no atacadista Assaí. Josiane enviou a nota fiscal da compra com os 11 itens e o valor pago foi de R$ 41,07. Multiplicado por 159 mil kits, não levando em consideração a logística de entrega e empacotamento, daria um contrato global de R$ 6.530.130.
No Atacadão, nessa segunda-feira (13), o valor do Kit Alimentação da Prefeitura seria de R$ 43,03. É preciso destacar que os valores nesta cesta levam em consideração o preço para o varejo. Itens como os biscoitos, leite em pó e a mistura para mingau oferecem descontos nas compras acima de cinco unidades. O preço do kit, nessa condição, seria reduzido para R$ 41,82. Outro ponto importante é que não foi encontrado no Atacadão o achocolatado de 400 gramas. O preço é referente a um de 300 gramas, de marca mais cara no mercado. Levando em consideração o primeiro preço, de R$ 43,03, a compra de 159 mil kits sairia por pouco mais de R$ 6,8 milhões.
Já no SuperBom, em cotação feita em uma unidade de Guarus, também na segunda, o kit sairia por R$ 43,49. Calculado pelo total de 159 mil kits, sem levar em consideração os pontos observados pela Prefeitura e que deixariam o contrato mais caro, o valor global seria de pouco mais de R$ 6,9 milhões.
Amparo legal e comunicado ao Ministério Público
O procedimento adotado quanto ao polêmico contrato da Prefeitura de Campos para aquisição dos kits e distribuição aos alunos foi explicado, de antemão, pelo diretor financeiro da secretaria municipal de Educação: “Fizemos a compra consultando o Ministério Público, que nos embasou no processo, para ser feito dentro da maior lisura e transparência. A modalidade dispensa de licitação foi adotada em virtude da urgência e excepcionalidade da medida. Fizemos isso amparados nas leis federais 13.979/2020, que trata de medidas para o enfrentamento da Covid-19, e na lei de licitação, que especifica os casos nos quais ela pode ser dispensada. Não houve aditamento do valor de nenhum contrato já existente”, disse Wagner de Paula, no dia 7, em matéria no site oficial do município.
Consultado, por meio da assessoria de imprensa, o promotor Marcelo Lessa informou que se posicionou a favor da aquisição dos kits, acolhendo expediente do próprio município. “Nenhum juízo de valor quanto ao preço pago pela alimentação, o que nem me cabia a título de controle prévio, já que isto demanda análise contábil de preços e exame de todo o processo de dispensa de licitação. Dei respaldo para a dispensa e para o uso da verba, que me pareceram apropriados”, informou.
O promotor salienta que todos os questionamentos nas redes sociais sobre possível superfaturamento foram feitos em outro momento, posterior ao que ele emitiu o parecer. No entanto, não se posicionou acerca desse embate levantado por vereadores de oposição nas redes sociais, explicando: “Não me manifesto sobre discussão política. Não é minha arena de debate e não julgo isto apropriado ao Ministério Público. Nunca fiz quando os papéis eram invertidos, cabendo-me manter a coerência com que sempre atuei à frente da Promotoria”.
Prefeitura esclarece valores (nota enviada após anúncio da publicação deste domingo)
“Como consequência da pandemia de coronavírus que assola o mundo inteiro, as aulas na rede municipal de ensino estão suspensas desde meados de março.
Compreendendo o papel que a alimentação escolar desempenha na vida dos alunos, a Prefeitura de Campos, assim como outras tantas prefeituras do Brasil, elaborou a distribuição de kits alimentares, destinados aos 53 mil estudantes que, com os colégios fechados, não tinham acesso à merenda.
Depois de esgotadas todas as outras possibilidades presentes naquele momento, e mediante à situação de urgência, a prefeitura consultou o Ministério Público a respeito da possibilidade de efetuar um contrato emergencial.
Para a aquisição destes kits, a Prefeitura iniciou um processo de compra em que consistia na cotação de preços de três empresas. A primeira opção foi por cotar com empresas locais fornecedoras de alimentos e cadastradas no banco de dados da prefeitura. Porém, estas não manifestaram interesse. Mediante a esta negativa, houve cotação com outras três grandes empresas do ramo de alimentos, optando-se pela que apresentou menor preço.
Quanto a isso, cabe ressaltar que a prefeitura não comprou simplesmente alimentos para estocar em seus galpões, mas sim kits alimentares montados e distribuídos em todas as mais de 230 unidades escolares espalhadas ao longo dos 4.000 km quadrados do município. Além disso, havia prazo de urgência de entrega, devido à situação confrontada. O custo compõe armazenamento, logística de entrega e de montagem, assim como também serviços e impostos obrigatórios na ordem de 12%. O valor dos insumos por kit, sem esses adicionais, foi, respectivamente, R$ 41,84 e R$ 46,82.
De forma voluntária, garantindo a lisura dos atos e a transparência necessária quando se trata de gastos públicos, o processo de compra, que inclui todos detalhes de procedimento e cotações, foi apresentado ao Ministério Público, inclusive com a planilha de gastos e serviços da empresa que apresentou o menor preço e teve contrato efetuado.
Os kits são destinados aos alunos, não às famílias. O cálculo nutricional é individual, correspondente ao papel desempenhado pela merenda. Responsáveis retiram os kits nas escolas segundo o numero de filhos”.

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