Bolsonaro cai ou não? Frenta ampla ou frente ousada?
28/04/2020 11:38 - Atualizado em 28/04/2020 12:03
A capacidade de traçar cenários é um desafio conhecido para as ciências sociais. Não é absurdo nem ofensa dizer que somos famosos pela incapacidade de prever. Temos explicações muito boas para essa falha, acolhendo a crítica e explicando a “normalidade do problema” com a própria relativização sociológica da perspectiva científica. Mas a construção de cenários não se torna inválida com isso. Considerando a contingência dos diversos cenários, é possível, ainda creio, identificar possibilidades e impossibilidades relativamente prováveis e improváveis. A questão é trazer a imprevisibilidade, a contingência e a indeterminação para dentro do esforço de imaginar e traçar cenários com base no mais amplo e melhor conhecimento do passado e do presente.
A existência de cenários distintos traçados por cientistas sociais favorece esta internalização da indeterminação. A questão sobre as chances de Bolsonaro cair ou permanecer no poder aglutina atualmente esforços de previsão neste sentido não pretensioso, humilde, exigido pela internalização da indeterminação, mas ainda assim buscando distinguir, comparar e avaliar os distintos cenários.
À tese de que Bolsonaro tem nais chances de cair, defendida por Marcos Nobre, contrapõe-se a tese de que ele tem chances razoáveis de não cair, defendida por Carlos Sávio Teixeira. Um vê na luta pela queda do presidente a possibilidade de uma frente ampla pela democracia, a ser feita por todos os setores adversários do bolsonarismo, que agora inclui Sérgio Moro. O outro percebe a crise como possibilidade para uma frente ousada, que reconheça e compreenda os motivos da força do bolsonarismo e busque derrotá-lo por dentro, enfrentando os problema sociais e nacionais de que o projeto autocrático de Bolsonaro se alimenta, mas enfrentando com a mesma seriedade o projeto autocrático bem comportado que se aglutina em torno de Sérgio Moro.
Tomo posição. A tese de uma frente ampla, pautada na defesa abstrata da democracia que desconsidera os motivos da resiliência de Bolsonaro e de seu estilo autocrático, deve ser subsituída pela tese da frente ousada, pautada no reconhecimento destes motivos como condição necessária para oferecer uma alternativa que equipe a defesa da democracia com conteúdo programático que ataque os problemas concretos das maiorias.
Marcos Monte orienta uma defesa da democracia pautada exclusivamente no valor dos processos democráticos em abstrato, do input do sistema político. Não leva em conta os motivos pelos quais parte crescente da população valoriza menos os processos políticos em si (input) e mais os resultados do sistema (output), ou a promessa deles.
Carlos Sávio faz exatamente o oposto. Considera que o valor dos processos políticos não pode ser defendido sozinho. Depende de valores sociais ligados à realização de metas coletivas e por isso da ousadia programática para mudar a realidade.
Continuo tratando destas duas teses no próximo texto. Entendo que elas articulam, dentro do terreno da ciência política, não apenas duas análises distintas que representam bem as diferenças políticas entre os setores progressistas e liberais, mas também duas atitudes distintas em relação há como superar a crise de nosso sistema político e de nossa democracia.
 
 
 
 

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    Roberto Dutra

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