batismo
- Atualizado em 11/03/2020 22:21
Batismo
Cândida Albernaz
 
Mês passado consegui entrar. O batismo foi difícil. Quando o canivete quente entrou rasgando minha pele, pensei que fosse desistir. Não podia. Na hora da dor, só fiquei pensando que agora pertencia a um grupo e que ia crescer dentro dele. Chegar ao topo.
Lembrar de minha mãe também ajudou. Muitas foram às vezes em que dormi com os porcos nos fundos do barraco. Ela precisava do único quarto que tínhamos para levar os homens que conhecia na rua durante suas bebedeiras. A vantagem é que no dia seguinte tinha um troco em casa. Para ela beber mais. Nem era vantagem.
Meu irmão mais velho saiu de casa com onze anos. Nunca mais vi. O apelido dele era Fuinha e era tudo o que sabia. Há alguns meses, disseram que um tal de Fuinha apareceu na área, mas botaram fogo nele. Era de outra gangue. Perguntaram se queria ver se era meu irmão que estava sumido há oito anos. Eu não! Se não vi o cara vivo, morto é que não queria olhar.
Ficamos eu e o Maneco para aguentar a mãe. Ele morreu no ano passado. Criança ainda. Também pudera. Se a gente adoecia tinha que melhorar na marra porque além de Val, como ela gostava de ser chamada por nós, não nos levar ao posto de saúde ainda proibia os vizinhos de nos ajudar. Tinha um coroa bonzinho na vizinhança que quando ela saía, levava remédio escondido para a gente. Nem com a ajuda dele o Maneco ficou bom. Morreu deitado no chão de terra e Val só apareceu no dia seguinte. Tive que cuidar de enterrar meu irmão com o tal coroa, porque ela falou que filho só servia para dar trabalho.
Fiquei ainda um ano morando com ela e os porcos e arranjando dinheiro na rua para conseguir comer e botar comida dentro de casa.
Tô fora! Val agora se vira como quiser.
Os caras daqui é que são minha nova família.
Essa gente toda aí na rua vivendo no "bem bom" vai ter que dividir comigo. Fiquei na merda até hoje, mas agora trabalho na boca-de-fumo e ainda posso fazer uns extras.
Só quero ter grana no bolso e uma garota gostosa do meu lado. Topo qualquer parada. O que mandarem fazer, já tô lá. Eles sabem que não sou de brincadeira e faço qualquer coisa para ir adiante.
Combinei hoje de sair com mais dois e descolar algum. Será a primeira vez em que vou usar um berro. Pretendo estrear logo. E vai ser no couro de algum marmanjo bem vestido. Disseram que depois que a gente acerta o primeiro, vira vício.
A casa que vamos faturar, até que é legal. Melhor para eles se estiverem dormindo. Essa é a ideia. O Carreira soube que o sujeito leva para casa todas as noites, o dinheiro da loja em que é gerente. Otário. Vamos prender a mulher no banheiro enquanto o babaca entrega a grana para a gente. Que não se meta a besta.
 
* * *
Foi fácil entrar. Está tudo escuro, mas trouxemos lanternas. Que lindo, o casalzinho dormindo... Pegamos os dois antes que pudessem reagir. E a cara de espanto do coitado? Dá vontade de rir. "Anda logo, entrega a grana que vamos embora".
"Dificuldade de abrir o cofre?” O Carreira enfiou o cano da arma na cara dele. "Pô, rapaz! Agora é que vai ser difícil para ele enxergar com esse sangue escorrendo no olho. Dá um tempo, Carreira.". Entregou o que tinha dentro e ainda catou uns ouros que a dona tinha guardado.
Já estávamos saindo quando ouvimos um barulho. Antes de ver o que era, atirei. Um homem caiu em frente à porta. "Droga cara".
Minha mão tremia com o nervoso do primeiro tiro dado em alguém. O coração disparou. "Vamos embora. O barulho pode ter chamado a atenção".
Corremos na rua escura até um lugar seguro.
A cabeça fervilhava, me sentia poderoso. Não dormiria mais com os porcos na lama.

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