Barreiras da inclusão na escola
Virna Alencar 08/02/2020 17:33 - Atualizado em 18/02/2020 13:45
diretora do setor de Assistência Multiprofissional da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte (Smece), Beatriz Siqueira
diretora do setor de Assistência Multiprofissional da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte (Smece), Beatriz Siqueira / Rodrigo Silveira
“A escola diz que meu filho está incluído, mas pedagogicamente ele não está”. A declaração é da médica Ana Beatriz Barbosa de Moraes, de 43 anos, mãe de Miguel Gomes, de 4 anos, cuja visão está em desenvolvimento. Mediante os desafios da promoção de uma educação inclusiva, pais e profissionais da área falam sobre barreiras enfrentadas em unidades públicas e particulares, mas também se reinventam e apresentam soluções para garantir o ensino-aprendizagem com qualidade aos filhos e alunos. De acordo com a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc), só na rede estadual estão matriculados, nas classes regulares, mais de seis mil estudantes com necessidades educacionais especiais como altas habilidades, baixa visão, cegueira, deficiência auditiva, deficiência física, deficiência intelectual, deficiência múltipla, síndrome de down, surdez, surdocegueira e transtorno do espectro autista (TEA). Já na rede municipal, a Prefeitura de Campos informou que 697 alunos com algum tipo de deficiência e transtorno foram matriculados em 2019. As matrículas de 2020 ainda não foram encerradas.
Para garantir uma educação de qualidade a seu filho, Ana Beatriz optou por contratar a professora de braille, Adriana Maria Carvalho, que realiza trabalhos de adaptação de material didático conforme a necessidade de Miguel.
— Sabemos que essa inclusão ainda não ocorre. Isso porque muitos profissionais precisam de aperfeiçoamento. Miguel não demonstrava interesse por certas atividades, porque faltava técnicas para sua adaptação na escola, considerando que sua visão ainda está em desenvolvimento. Foi por esse motivo que resolvi contratar a Adriana, que com todo conhecimento na área, tem alcançado resultados significativos, explorando a linguagem dele. Mas, se ele passa cerca de cinco horas em um colégio e esse objetivo não é alcançado, algo está errado, até porque nem todos os pais podem custear um colégio particular e ao mesmo tempo um profissional como Adriana — disse a médica.
Segundo a professora de Miguel, em se tratando de um aluno com baixa visão, se faz necessária uma gama de recursos pedagógicos a fim de desenvolver as atividades, observando suas reais necessidades e qual melhor método se ajusta às suas peculiaridades.
— Trabalhando as vogais, letras do nome e números, foram utilizados vários instrumentos como folha das atividades propostas pela professora com as adaptações, letras e números ampliados, contraste, brailito, suporte para posicionar a folha e promover melhor conforto visual e postura para realização das tarefas, giz de cera, tinta, lápis, cela braille, entre outros materiais, para ensinar o formato da escrita do sistema Braille. A experiência vivida com Miguel tem sido bastante enriquecedora, tanto para a minha prática quanto para a atuação e compreensão dele — contou Adriana, que também é pedagoga.
Educação inclusiva na formação do professor
Para a diretora do setor de Assistência Multiprofissional da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte (Smece), Beatriz Siqueira, a solução para a falta de profissionais qualificados em educação inclusiva no mercado seria incluir o ensino na grade acadêmica durante a formação de professores. Ela apontou que a educação inclusiva, em termos históricos, é muito recente e que se trata de uma política pública que surgiu em 2009, após uma convenção da Organização das Nações Unidades (ONU), na qual o Brasil é signatário.
— Antes, essas pessoas só ficavam em casa, eram chamadas por nomenclaturas totalmente errôneas, desmistificadas ao longo dos anos. A escola regular para todos os tipos de deficiência existe há 10 anos, por isso ainda se ouve muito de profissionais frases como “não estou preparado”, “não vi isso em minha formação”. A sociedade mudou e temos visto uma demanda crescente, especialmente por parte de autistas. Por isso, o setor de Assistência Multiprofissional oferece capacitações para lançar no mercado profissionais que promovam, de fato, uma educação especial, que perpasse todos os níveis de escolarização — disse Beatriz.
A diretora destacou que a rede municipal conta com 35 salas de recursos nas 236 unidades de ensino, que contam com materiais pedagógicos e professores capacitados para pensar em atividades pedagógicas adaptadas.
Um dever do Estado e da comunidade escolar
De acordo com o assessor jurídico do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particular de Campos (Sinepe), o advogado Bruno Lannes, atualmente diversas leis normatizam a matéria e dispõe sobre a inclusão da pessoa com deficiência, sendo a educação inclusiva um dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade.
— Destaco que o Brasil ratificou, no ano de 2008, a Convenção Internacional sobre os direitos das Pessoas com Deficiência, que foi incorporada ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e pelo Decreto Executivo nº 6.949/2009, sendo equiparada, portanto, à Emenda Constitucional, nos termos do §3º do art. 5º da CF/88, reconhecendo o direito das pessoas com deficiência à educação, estabelecendo que, para se efetivar tais direitos, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, deverá ser assegurado pelos Estados anuentes um sistema educacional inclusivo em todos os níveis , bem como o aprendizado ao longo de toda vida — explicou o assessor jurídico do Sinepe.
O advogado citou a Lei 7.853/1989, que incumbe ao Poder Público a garantia do direito à educação, dentre outros direitos das pessoas com deficiência, que deverão ser inseridas no sistema educacional, escolas especiais públicas e privadas, bem como a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiências capazes de se integrarem no sistema regular de ensino. A referida lei, em seu art. 8º, dispõe que recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência é crime punível com reclusão de 2 a 5 anos e multa.
Já a Lei 13.146/2015 institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
— A escola, seja pública ou privada, deve atender à demanda considerando a razoabilidade e não se pode cobrar qualquer valor excedente à anuidade escolar já contratada. Entretanto, o custo da inclusão deve ser suportado pela sociedade, uma vez que a escola pode e deve contemplar o custo da inclusão na planilha de custeio (§3º, art. 1º da Lei 9870/99), repassando a todos os contratantes e buscando o equilíbrio financeiro. Na prática, a escola deve tratar individualmente cada portador de necessidade especial, traçando um plano pedagógico exclusivo de forma a incluí-lo de fato, na medida de suas necessidades. Esse plano é ajustado pela equipe multidisciplinar disponível na escola e deve sempre contar com os esforços da família e da interação dos profissionais que assistem o menor com a escola — concluiu o advogado.

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