Tem buraco no meio do caminho
Paula Vigneron 08/02/2020 17:39 - Atualizado em 18/02/2020 13:45
Canaletas quebradas são apenas um dos dificultadores para pedestres no Calçadão
Canaletas quebradas são apenas um dos dificultadores para pedestres no Calçadão / Genilson Pessanha
Apesar de presentes no Código de Trânsito Brasileiro, os direitos assegurados aos pedestres encontram barreiras em Campos: buracos, desníveis, postes, mercadorias e anúncios de estabelecimentos. Estas são enfrentadas diariamente por cidadãos que transitam pelas calçadas do Centro. “É uma vergonha”, exclamou a campista Marisa da Conceição Siqueira, que tem dificuldades de locomoção e só consegue caminhar pela região acompanhada. Especialistas têm avaliado a realidade, como o arquiteto e urbanista Renato Siqueira, que trabalha na elaboração do Plano de Mobilidade de Campos. O projeto está na penúltima etapa e aguarda aprovação do prefeito Rafael Diniz para que seja realizada audiência pública.
No Boulevard Francisco de Paula Carneiro, quinta-feira (06), Marisa, de 64 anos, caminhava acompanhada por uma vizinha e com auxílio de muletas. A dificuldade de locomoção e as dores, somadas aos desníveis, buracos e postes nas calçadas, fazem com que a idosa tenha que parar algumas vezes antes de seguir em frente.
— Venho obrigada (ao Centro), me arrastando, uma vez por mês para receber o Bolsa Família. São R$ 91. Vivo disso. Não tenho outra renda. Eu vivo de doações — lamentou.
Marisa já presenciou acidentes. Numa ocasião, relatou, uma senhora caiu no calçadão e ralou as pernas. Um vendedor autônomo, que preferiu se identificar somente como Elias, de 62 anos, se recordou de já ter levantado um amigo após queda em uma canaleta.
— Os bombeiros vieram até pegar para levar. E já vi uma porção de gente caindo aqui. Eu sinto revolta — criticou ele, morador de Campos há 60 anos.
Para o arquiteto e urbanista Renato Siqueira, que acompanha desde 2013 o cenário e as demandas, não houve melhorias de lá para cá. “As pessoas continuam com o mesmo vício de tratar mal um espaço público, como se fosse seu. Continuam sendo particularizadas as questões dos níveis, de acordo com a necessidade ou suposta necessidade de acesso ao imóvel, não se importando com o entorno”, explicou.
À época, o Observatório Social, do qual o profissional fazia parte, chegou a realizar um seminário no Instituto Federal Fluminense (IFF).
— A Lei de Mobilidade Nacional era de 2012. Havia um prazo para que, até 2015, os municípios fizessem seus planos de mobilidade, e a Prefeitura não tinha tomado atitude. A gente fez essa provocação e, mesmo assim, o município perdeu o prazo para a elaboração do Plano de Mobilidade. Depois, esse prazo foi reformado umas duas vezes e vai vencer em abril de 2021. Mas a gente não quer contar com prazo. Estamos com o Plano pronto e só na expectativa de convocação do prefeito — adiantou.
Marisa da Conceição Siqueira, de 64 anos, sofre sempre que precisa ir ao Centro
Marisa da Conceição Siqueira, de 64 anos, sofre sempre que precisa ir ao Centro / Genilson Pessanha
Plano de Mobilidade busca padronização
“Precisa ser mudado tudo, praticamente. Nós temos uma cidade que é inacessível. De encontro a isso, estou fazendo uma ação muito pontual, que é o Plano de Ação de Mobilidade. A Lei de Mobilidade, dentre outros aspectos, vai buscar regulamentar a melhoria das condições não só para pedestres, mas especialmente para cadeirantes e deficientes físicos”, explicou Renato Siqueira. Desde 2017, ele se dedica ao projeto para a regulamentação da lei que é complementar ao Plano Diretor, e aguarda avaliação do prefeito, Rafael Diniz, para fazer a audiência pública.
Até o momento, de acordo com Renato, foram realizadas três etapas do processo: leitura técnica, por meio da qual foram ouvidas todas as secretarias e entidades da sociedade civil organizada; leitura comunitária, que ocorreu em distritos de Campos para conhecer a opinião da população e coletar sugestões; e plenária e câmaras técnicas, realizadas no perímetro urbano após convocação pública para que os campistas participassem efetivamente da criação do projeto.
Renato explicou que um dos objetivos do Plano de Mobilidade é a padronização dos espaços destinados aos pedestres, passando por adequações de nivelamento, piso e largura.Também serão definidos os materiais a serem usados, além projetos e elementos gráficos orientadores da construção.
— Enquanto o Plano não se consolida no município, as pessoas podem buscar referência na NBR 9050, de 2015, porque ali tem todos os parâmetros para se fazer a calçada — orientou.
Prefeitura diz que vem tomando medidas
A Prefeitura se posicionou em nota sobre as demandas a secretaria municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana declarou que “vem recuperando as calçadas de pedra portuguesa em vários pontos da área central do município. Através do projeto Viva o Centro, várias medidas estão sendo tomadas, inclusive o assentamento de pedras do calçadão”.
O Instituto Municipal de Trânsito e Transporte (IMTT) explicou que “atua de maneira educacional em todas as suas ações de trânsito, inclusive quanto à obstrução de calçadas e o impedimento de acesso do pedestre”.
— Com relação às calçadas, um ponto em destaque é a mudança no perfil de avaliação para autorização para construção de imóveis e obras/reformas. Atualmente, há uma parceria da secretaria de Infraestrutura e Mobilidade com o IMTT, Postura e demais órgãos, no Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), que alterou completamente a análise para aprovação de projetos de reforma, construção ou incorporação. Hoje, há uma avaliação conjunta de todas as obrigações previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), resoluções do Contran, no sentido de facilitar a mobilidade, especialmente no que diz respeito a regramento das calçadas, para que todos os cidadãos, incluindo aqueles com mobilidade reduzida, possam trafegar com segurança — informou o órgão.
Sobre a acessibilidade para deficientes visuais, o IMTT afirmou que “é um ponto de grande atenção, já que, infelizmente, ocorre um desrespeito quanto à padronização de calçadas. Atualmente, há uma discussão jurídica quanto à possibilidade de intervenção pelo poder público nas calçadas. Apesar de a mesma ser pública, ela é de responsabilidade do proprietário do imóvel, sendo inclusive objeto de inquérito e ação civil do Ministério Público devido a ações de gestões anteriores. No entanto, o Plano Diretor prevê uma padronização das calçadas de novas construções”.
Já a Guarda Civil Municipal (GCM), informou que, diariamente, 30 agentes atuam no trânsito das principais vias do Centro: “Os agentes são instruídos sempre a orientar os condutores e pedestres sobre as normas de trânsito, principalmente quando são flagrados em situações irregulares”. A GCM destacou que, “com relação à faixa de pedestres, mantém, nos locais de maior movimentação de pessoas, agentes fixos para auxiliar a travessia. A Guarda Municipal tem feito o seu papel, cumprindo e fazendo cumprir o que determina a lei”.

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