Brasileiro vê menos profissionais do país no futebol japonês
18/01/2020 19:21 - Atualizado em 25/01/2020 18:42
O Brasil teve papel importante na profissionalização do futebol no Japão nos anos 90. A maior referência é Zico, ídolo no Kashima Antlers e ex-técnico da seleção asiática. Mas, o galinho de Quintino não foi o único a deixar marcas por lá. Dunga, Alcino, Leonardo, Bebeto, Ruy Ramos e Wagner Lopes (os dois últimos, inclusive, naturalizaram-se para defender o país) também fizeram história.
 
A lista é extensa e ainda hoje reflete. Os brasileiros representam, em média, metade dos estrangeiros que atuam na J-League 1 (primeira divisão local). Além disso, segundo o último Raio-X do Mercado da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que tem como base o período entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2018, o país-sede dos próximos Jogos Olímpicos e Paralímpicos é o terceiro destino mais procurado por jogadores do Brasil (34), só atrás de Portugal (205) e Arábia Saudita (47).
 
A influência chega, também, ao banco de reservas. Nomes como Toninho Cerezo, Oswaldo de Oliveira e Nelsinho Baptista já conduziram suas equipes à glória na liga japonesa, sempre, ou quase sempre, acompanhados por auxiliares, preparadores físicos e fisioterapeutas de confiança. Normalmente compatriotas. O espaço destinado a brasileiros em comissões técnicas, porém, já foi maior. É a percepção de Carlos Suriano, preparador físico do Tokushima Vortis, time da J-League 2 (segunda divisão do futebol japonês), que passou 13 dos últimos 14 anos na terra do Sol Nascente.
 
“Quando cheguei ao Japão, em 2006, havia praticamente um preparador físico e um de goleiro brasileiro em todas as equipes. Recordo que no meu primeiro ano tinham ao menos 12 preparadores brasileiros. Pessoas experientes, com nome, que me ajudaram muito. O Walmir Cruz [ex-Corinthians] às vezes dava conselhos por telefone. O Flávio Oliveira [hoje no Vasco] também. Infelizmente, com o passar dos anos, isso foi diminuindo”, conta.
 
Carlos nasceu em São Paulo, mas foi criado em Jaú, no interior paulista. Em 2005, a equipe em que trabalhava como preparador, o XV de Jaú, venceu o estadual sub-20 superando o Santos na decisão. No ano seguinte veio o convite para mudar de ares. “Um dos diretores de uma equipe do Japão acompanhou uma semana nossa em Jaú para contratar jogadores, mas ele acabou se interessando por mim e fez uma proposta”, lembra.
 
Primeiro foram sete temporadas consecutivas no Japão (cinco no Bellmare, onde trabalhou com os brasileiros Adiel, Jean e Eduardo Marques, todos ex-Santos, e dois no Tokushima) até a volta ao Brasil, em 2013. Um ano depois, no entanto, Carlos retornou ao Oriente a convite do técnico Péricles Chamusca para o Jubilo Iwata. Já em 2014 foi contratado novamente pelo Tokushima. Na segunda passagem teve o ex-São Paulo Carlinhos Paraíba como atleta.
 
Globalização do futebol
A constatação sobre a presença de menos brasileiros em comissões técnicas de times japoneses coincide com a recente intensificação de técnicos estrangeiros no Brasil. Em 2020, ao menos quatro times da Série A terão comandantes do exterior: Flamengo, com o português Jorge Jesus, Santos, com o também português Jesualdo Ferreira, Internacional, com o argentino Eduardo Coudet, e Atlético-MG, com o venezuelano Rafael Dudamel. Porém, na entrevista coletiva de apresentação no peixe, Jesualdo negou que isso signifique que profissionais brasileiros não tenham qualidade, e afirmou que a mudança tem relação com a globalização do esporte.
 
Carlos pensa de forma semelhante. “Hoje, no futebol, só o nome já não faz diferença. O japonês exige muito. Eles não têm a mesma qualidade individual que o jogador do Brasil, mas são inteligentes, sabem analisar. De 10 anos para cá, talvez um pouco mais, o futebol japonês evoluiu muito”, analisa, citando o aumento de europeus trabalhando no Japão (o técnico do próprio Tokushima, Ricardo Rodríguez, é espanhol) e entendendo, também, que a mão de obra brasileira ficou mais especializada e cara. “Isso acabou fechando um pouco as portas”, reconhece.
 
“Um pouco”, talvez. Totalmente, longe disso. A última temporada da primeira divisão japonesa encerrou sem brasileiros no comando (Oswaldo de Oliveira deixou o Urawa Reds em maio para assumir o Fluminense). Na J-League 2, o Kashiwa Reysol foi campeão sob comando de Nelsinho Baptista. Além do Kashiwa, três dos quatro times mais bem colocados (Yokohama FC, Tokushima e Montedio Yamagata) tinham preparadores físicos brasucas: Luiz Carlos Brollo, o próprio Carlos e Élcio Mineli, respectivamente.
 
“Lógico que não se pode falar que [a campanha das equipes] foi só por esse motivo, mas é algo que dá orgulho. Todos fizeram um trabalho muito bom. Foi um campeonato muito difícil. É uma exigência grande. São muitos jogos [45, sendo 42 na fase regular e três no playoff de acesso], então ficar na parte de cima não é fácil”, destaca. Ele também destaca a estrutura e a aposta de dirigentes japoneses em trabalhos de longo prazo. Foram apenas seis trocas de treinador na temporada 2019 da J-League 2, contra 20 demissões na série A do Brasileirão do mesmo ano.
 
“O respeito aqui é muito grande. Então, a partir do momento que você mostra um trabalho e planejamento, e passa a impressão de que poderá haver uma evolução, eles confiam nisso. Você tem tempo para trabalhar. O resultado é o mais importante, mas eles analisam o trabalho. Já houve temporadas em que tivemos uma colocação ruim, só que eles avaliaram o dia a dia, a evolução. Em 2018 ficamos no meio da tabela. No ano seguinte brigamos pelo acesso com a mesma base de atletas e comissão”, afirma.
 
Em tempo, a subida à J-League 1 de 2020 acabou não vindo. Na final do playoff de acesso, em dezembro, o Tokushima precisava vencer o antepenúltimo colocado da primeira divisão (por ironia, o mesmo Bellmare onde Carlos iniciou a trajetória no Japão). O empate por 1 a 1 manteve o rival na elite e o Tokushima na Segundona para 2020.
 
Expectativa para Tóquio 2020
Tokushima fica a 503 quilômetros de Tóquio, em linha reta. Apesar da distância, a população da cidade vive a expectativa dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, que retornam à capital após 56 anos. Com a experiência de mais de uma década vivendo no Japão, Carlos acredita em uma recepção calorosa no país. O Comitê Organizador da Olimpíada colocou 7,8 milhões de ingressos à venda, sendo 70% destinados a moradores locais (só na primeira fase para aquisição, em julho de 2019, foram 3,22 milhões dessas entradas).
 
“O povo japonês abraça qualquer competição ou evento que o país sedia. Foi assim lá atrás [2002], na Copa do Mundo, e agora em 2019 com o Mundial de Rugby, que nem é um esporte tão divulgado por aqui, e foi sensacional. Tokushima, inclusive, recebeu os treinos da seleção da Geórgia [de rugby]. Sei que cidades próximas, como Osaka e Kobe, receberão [a aclimatação de] algumas delegações. Espero estar aqui ainda para acompanhar”, encerra o preparador físico, que seguirá no Vortis por mais uma temporada.

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