Como o eleitor se informa
O jornalista Pedro Doria publicou hoje em seu espaço em "O Globo" um ótimo texto sobre a desinformação por onde o eleitor médio se "informa" atualmente, através do mundo virtual. O comportamento descrito é facilmente percebido e muito similar ao que infelizmente presencio nas redes sociais, especialmente no WhatsApp e no Facebook. Confira:
COMO O ELEITOR SE INFORMA
* PEDRO DORIA
Ontem, os britânicos foram às urnas para mudar a composição da Câmara dos Comuns e, quem sabe, romper o impasse que já vem de duas legislaturas a respeito do Brexit. Foi neste cenário que a Revealing Reality, um instituto de pesquisas dedicado a compreender os impactos do digital na sociedade, fez um experimento que pode nos ajudar muito a compreender como redes sociais e eleições se relacionam. O resultado tem um quê de intuitivo. Mas também surpreende.
Não se trata de um estudo definitivo. Os pesquisadores pinçaram seis pessoas diferentes com cortes demográficos distintos e posições políticas diversas em todo o país. Apenas seis. Instalaram, no smartphone de cada um, um aplicativo que registrava num vídeo tudo o que cada um dos voluntários fazia. Durou uma semana. Por terem sido apenas seis, não tem valor estatístico. Confirma, porém, outros estudos com metodologias similares.
As primeiras duas observações quebram um tanto do discurso habitual sobre manipulação política. Os seis foram muito pouco expostos a notícias flagrantemente falsas. Também tiveram contato mínimo com informação que vinha na forma de propaganda paga nas redes sociais. Isto não quer dizer, porém, que desinformação não tenha sido uma constante. Porque foi.
Jovens ou velhos, conservadores, liberais ou progressistas, homens ou mulheres — o comportamento é similar. A informação política vem pelas redes sociais e de forma passiva. As pessoas não buscam se informar em sites de imprensa ou mesmo perfis específicos. O que leem ou assistem chega a elas selecionado pelo algoritmo de cada rede. E este material, quase sempre, é recomendado por pessoas que estão em seu círculo de conhecidos. Quem consome política deste jeito não é de todo ingênuo. Tem consciência de que recebe conteúdo selecionado por amigos e algoritmos com um viés ideológico próximo a seu ponto de vista. Mas as pessoas não parecem se importar. É assim que preferem.
E aí entram as questões mais delicadas. Informação de veículos tradicionais e de fontes obscuras se misturam. Mesmo que os fatos estejam em grande parte corretos, frequentemente comentários que os acompanham, títulos ou mesmo imagens são distorcidos para forçar leituras, tirar do contexto, adequar a uma visão de mundo.
Não à toa, artigos de opinião que trazem informações são preferidos ao noticiário factual. Se as análises são de qualidade ou só uma desculpa para encaixar a realidade a um pacote ideológico, pouco importa. Opinião bate noticiário.
Nesta toada, entra um aspecto fundamental: o público consome notícia como forma de entretenimento. Não se trata de um exercício de cidadania, mas uma forma de distração. Está mais próximo da relação que o torcedor tem com seu time perante o campeonato de futebol do que com o de um eleitor que busque refletir sobre soluções para os problemas do país e se posicione no pleito perante suas conclusões.
Por isso mesmo, em geral raramente os títulos são clicados. As pessoas compartilham notícias e comentam sobre elas sem sequer tê-las aberto. Mesmo quando abrem, o mais comum é uma passada rápida de olhos.
Neste cenário, memes políticos se tornam extremamente populares. Vídeos muito curtos com um trecho de fala, uma fotografia engraçada com uma frase que embase um comentário ou tenha, como num cartum, uma boa tirada. Servem menos para informar e mais para encaixar os acontecimentos numa narrativa que o consumidor já abraçou.
É justamente como a nova direita se comunica no Brasil, no mundo. E não é como a esquerda ou o centro fazem. Os resultados eleitorais são facilmente explicáveis.
* Publicado hoje em O Globo

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    Christiano Abreu Barbosa

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