Delegacias que afastam as vítimas
- Atualizado em 03/11/2019 22:49
Nas últimas semanas nesse espaço foram abordadas questões relacionadas a violência contra mulheres e como a falta de visibilidade e de atuação estatal dificultam o combate ao problema. Hoje o objetivo é mostrar porque muitas mulheres não fazem registros de ocorrência quando são vítimas de violência. Seja por medo de retaliação do agressor ou pelo receio de não receber a atenção adequada, a realidade é que hoje as mulheres não acreditam mais na capacidade das instituições estatais de protegê-las de seus agressores.
Pesquisa realizada pelo Coletivo Nós por Nós com mulheres no município de Campos dos Goytacazes/RJ apresentou números preocupantes. Segundo as pesquisadoras, 82% das entrevistadas afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência de gênero e apenas um terço dessas procurou atendimento na DEAM (Delegacia Especial de Atendimento à Mulher). Isso significa que cerca de 66% das vítimas de violência não procurou ajuda na delegacia. Mas o que faz com que elas não acreditem que a melhor opção é fazer o registro de ocorrência na delegacia? A resposta está na própria pesquisa.
Daquele um terço de vítimas que se dirigiu até a DEAM, impressionantes 98,6% afirmaram não ter recebido atendimento psicológico, social ou jurídico, e 80,6% disseram não ter recebido informações adequadas sobre como proceder em casos de violência. Além disso, segundo as pesquisadoras, entrevistadas relataram casos de imposição de dificuldades para confecção do registro por policiais e comportamentos inadequados durante o atendimento.
Outro problema segundo a pesquisa é a precária estrutura física da DEAM. Segundo 66% das entrevistadas que se dirigiram até a delegacia, as instalações são inadequadas para atendimento ao público, faltando até insumos básicos como papel higiênico e água.
São condições que realmente afastam as vítimas de um local que deveria ser planejado justamente para ser acolhedor a quem já chega fragilizada. É verdade que a Polícia Civil tem passado por enormes dificuldades financeiras e de pessoal. Não há investimento em estrutura e muito menos treinamento adequado para os policiais. Casos de comportamentos inadequados devem ser punidos, mas os responsáveis por toda essa precariedade que fragiliza ainda mais as mulheres vítimas de violência não são os servidores e sim os governantes, de todas as esferas.

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    Sobre o autor

    Roberto Uchôa

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    Especialista em Segurança Pública, mestrando em Sociologia Política e policial federal