antes tarde do que nunca
- Atualizado em 30/10/2019 22:48
Antes tarde do que nunca
Cândida Albernaz
Sabe aqueles dias em que você pensa que não vai aguentar? Parece que o mundo resolveu cair sobre suas costas e o peso é tanto que dá vontade de desistir.
Pois é, hoje minha sensação é de desespero. Vai passar, eu sei.
Desde que Gustavo entrou no meu caminho, sinto cada vez mais num emaranhado e com dificuldade de encontrar a saída. Até sei qual é, mas não tive coragem de tentar. Parece que ele suga minhas forças e quando se vai, leva toda energia junto.
Quando me meti com ele, achei que tiraria de letra e safaria assim que tivesse vontade. Não consegui que fosse desse jeito. Ele me esgota com suas manias e ideias.
Conheci Gustavo numa dessas noites que a gente sai com as amigas para falar mal dos homens e rir de nós mesmas. Ele chegou com dois amigos e como conhecia Sílvia, pediu para sentar com a gente.
A princípio achei que era um chato metido a gostoso (hoje sei que é só um chato), mas conversa vai, conversa vem, dei meu telefone a ele.
Quando saímos dali, Sílvia avisou que era casado há alguns anos e a mulher, muito ciumenta. Argumentei que ele não ligaria e que se isso acontecesse dificilmente teríamos alguma coisa. Ficou claro que tínhamos temperamentos totalmente diferentes.
Eu sou da noite, gosto de sair, dançar, ir ao teatro e detesto o sol. Ele é do dia, dos amigos, do futebol e da cerveja. Não disse, mas hoje sei que é das mulheres também. Menos a dele, claro.
Ligou-me dois dias depois e combinamos de tomar algo na saída do trabalho. Conversamos muito e ele falou sobre sua insatisfação na vida. Não caio nessa! Caí dessa vez, acho que estava mais carente do que o normal.
Envolvemo-nos e ele passou a frequentar meu apartamento todas as semanas. Sempre às quartas e segundas. Algumas vezes dá uma escapulida nos sábados. Na cama me satisfazia, apesar de ser metódico e costumar seguir rituais no antes e depois quando sempre pergunta: “foi bom, não foi?”. Odeio.
Quando percebi, saía pouquíssimo com as amigas, porque ele gosta de me ligar à noite. Não danço, porque ele não sabe dançar. Não vamos ao teatro porque alguém conhecido pode nos ver. Passei a esperar por ele para noites ou tardes nem tão boas assim.
Acho que viciei em Gustavo, só isso explica o fato de eu ainda estar com ele.
Outro dia, tentei conversar, dizendo que seria melhor nos separarmos. Chorou feito criança e acabamos na cama. Engraçado como nas vezes em que tentei largá-lo, o sexo feito depois ficou melhor.
Costumamos discutir sobre qualquer coisa. Na verdade, ele procura confusão com tudo o que falo ou faço. Minhas amigas reclamam que mudei e não tenho tempo para elas. É verdade, mudei para pior.
Gustavo gosta de chegar, encontrar a cerveja gelada e se tiver jogo naquela noite, só conversamos depois que acaba. Ainda tenho que ficar sentada ao lado dele vibrando falsamente com os gols que acontecem. Se o time pelo qual ele torce, perde, ouço uma série de palavrões e comentários que não me interessam. O sexo nesse dia é uma merda.
Até no meu trabalho, essa relação está influenciando. Sou corretora e toda vez que saio para ver um apartamento, casa ou qualquer ambiente, ele quer saber se vou sozinha e se o cliente é homem ou mulher. Caso seja homem, ele me enche com seu machismo fora de moda.
Não sei como acabei vivendo uma relação de casada, com um homem que deveria ser apenas um caso.
Hoje tomei uma decisão.
Ele chorando ou não, xingando ou não, vou pedir que não volte mais. Preciso cuidar de mim, até meu peso aumentou.
Tenho saudades de quem eu era.
Já liguei para Sílvia e combinei de sairmos. Quero rir com vontade e tomar um porre. Só não vou falar mal dos homens, porque dessa vez posso acabar a noite chorando.
Na verdade, nem quero lembrar que existem.
 
 
 

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    Sobre o autor

    Candida Albernaz

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    Candida Albernaz escreve contos desde 2005, e com a necessidade de publicá-los nasceu o blog "Em cada canto um conto". Em 2012, iniciou com as "Frases nem tão soltas", que possuem um conceito mais pessoal. "Percebo ser infinita enquanto me tornando uma, duas ou muitas me transformo em cada personagem criado. Escrever me liberta".