"Contratos regados a propina"
Aldir Sales, Arnaldo Neto e Aluysio Abreu Barbosa 21/09/2019 13:55 - Atualizado em 27/09/2019 17:47
A operação Secretus Domus, do Ministério Público estadual, completa três semanas na terça-feira (24). Nela, os ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho foram presos dentro do processo no qual são acusados de superfaturamento e recebimento de propina para beneficiar a Odebrecht nas licitações das casas populares do Morar Feliz, quando Rosinha foi prefeita de Campos. Os dois foram soltos no dia seguinte por decisão do desembargador Siro Darlan, no plantão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Diferente de outras ações de combate à corrupção, nesta, em especial, o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP adotou a cautela de não personificar a investigação na figura dos promotores. Nesta entrevista exclusiva e “sem rosto”, tal como os juízes italianos nos julgamentos da operação “Mãos Limpas” (contra a máfia), o Gaeco reafirma a necessidade de prisão dos ex-governadores e que “os bastidores dos contratos” foram “regados à propina”.
O principal fundamento da decisão do juiz Glicério Angiólis, da 2ª Vara Criminal de Campos, que determinou a prisão do casal Garotinho, era resguardar as testemunhas do processo. O desembargador Siro Darlan, no entanto, entendeu que não havia provas de coação e soltou os dois. Um dia depois, o canal GloboNews mostrou o depoimento de uma testemunha que diz ter sido ameaçada de morte. Os investigadores do Gaeco reafirmam a necessidade do cárcere dos ex-governadores e comparou com outros casos da operação Lava Jato.
— Há uma testemunha ameaçada, inclusive por fatos recentes e isso, por si só, já e muito grave. Como bem destacado na decisão judicial (de primeira instância), existem outras testemunhas que merecem ser protegidas para que tenham a tranquilidade de falar a verdade em juízo. (...) Como se vê em vários casos da operação Lava Jato, fatos exatamente como o presente, com vultoso pagamento de propina e superfaturamento - naturalmente pretéritos - foram suficientes não apenas para a decretação, como também para a manutenção de inúmera prisões até os dias atuais.
Uma das alegações da defesa do casal Garotinho é de que “a Odebrecht considerou ter sofrido prejuízo no contrato firmado com a Prefeitura de Campos e ingressou com ação contra o município para receber mais de R$ 33 milhões” e, com isso, “é estranho que o Ministério Público fale em superfaturamento quando a própria empresa alega judicialmente ter sofrido prejuízo”. Em resposta, o Gaeco afirmou que o município está sendo prejudicado duas vezes pelo mesmo caso.
— A argumentação é absolutamente vazia de fundamento. O fato de haver ação de cobrança só demonstra como o município de Campos estará sendo duplamente prejudicado pelos mesmos fatos. Ao contrário de infirmar o superfaturamento já constatado, evidencia o rombo causado aos cofres públicos com uma contratação levada a efeito em valor evidentemente superior ao que deveria ter sido, caso os bastidores do contrato não estivessem regados pelo pagamento de propina.
Os promotores do Gaeco também refutaram as declarações de Garotinho de que as prisões foram baseadas em “delações sem provas” e de que “não há indícios de enriquecimento ilícito”. “Todos os fatos descritos na denúncia encontram amplo embasamento probatório. Há provas documentais, testemunhais e periciais a demonstrar os crimes praticados pela organização criminosa. O enriquecimento ilícito não é elemento do crime, mas sim consequência dele. Não raras vezes, o proveito obtido pelo crime é reintroduzido na economia formal justamente por meio de atos de ocultação, os quais podem configurar até mesmo o crime de lavagem de dinheiro”, afirmaram.
As planilhas do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht foram amplamente divulgadas pela imprensa.Porém, além deste documento, a denúncia também cita que outras planilhas apresentadas pelo operador Álvaro Novis e pela transportadora Transmar detalham e confirmam a entrega dos valores ao casal Garotinho. “As planilhas apresentadas pela Hoya Corretora e ela Transmar corroboram a planilha da Odebrecht, com completa coincidência de valores, datas, senhas e codinomes. Tais planilhas, somadas à vasta prova testemunhal e pericial serviu de acervo probatório sólido para embasar as imputações constante da denúncia”.
Investigação continua sobre outros “agentes”
Embora não tenham sido indiciados, a denúncia do MP cita nominalmente os ex-secretários de Obras, Davi Loureiro, Edilson Peixoto e César Braga, além dos ex-secretários de Controle e Orçamento, Suledil Bernardino, e de Fazenda, Francisco Esquef. O texto ainda diz que “a atuação desses agentes (secretarias de Obras e de Controle) revelou-se essencial para a concretização de todos os ilícitos ora imputados”. O promotores do Gaeco afirmaram, sem falar em nomes, que as investigações contra outros possíveis envolvidos no esquema continua. “Por questão técnica, optou-se pelo fatiamento das investigações e denúncia em núcleos, sendo certo que as apurações estão prosseguindo para a devida responsabilização criminal de todos os agentes envolvidos”.
Um mandado de busca e apreensão foi cumprido na empresa Construsan, durante a operação Secretum Domus. Na denúncia, a empreiteira campista é citada apenas uma vez, com pagamento de R$ 6,5 milhões por parte da Odebrecht. “Os fatos envolvendo a Construsan ainda são objeto de investigação, daí a razão dos requerimentos das medidas cautelares de busca e apreensão e afastamento de sigilo fiscal. A Construsan figurou como subcontratada da Odebrecht, recebendo vultosa quantia em dinheiro durante os contratos.
Antônio Leudo
MP diz que competência é da Justiça estadual
Logo após a soltura dos pais, o deputado federal Wladimir Garotinho (PSD) usou a tribuna da Câmara Federal para atacar o Ministério Público e o juiz Glicério Angiólis, o que gerou uma resposta imediata da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), defendendo sua atuação. Um dos pontos abordados por Wladimir é de que a competência para investigação e julgamento do caso seria federal e não estadual, o que foi rebatido pelos promotores.
— Relativamente aos diversos fatos narrados pelos colaboradores (ex-executivos da Odebrecht, Leandro Azevedo e Benedicto Junior), houve homologação dos respectivos acordos pelo Supremo Tribunal Federal e, em seguida, houve um fatiamento de acordo com cada fato revelado, remetendo-se cópia dos relatos às Justiças Competentes, seja na esfera estadual, seja na esfera federal. No caso de crimes que não envolve interesse ou verba da União, como o presente, a Justiça Competente é a estadual”, explicaram.
Enquanto isso, as construtoras Queiroz Galvão e Carioca Engenharia são citadas na denúncia como empresas que participaram da licitação para “dar aparência de legalidade”. A denúncia trata da formação de um cartel entre as empreiteiras. Porém, os promotores explicaram o motivo pelo qual não denunciaram as empreiteiras: “Os fatos praticados pela Queiroz Galvão e Carioca Engenharia, embora tenham sido comprovados e descritos na denúncia, não foram alvo de imputação em razão da prescrição operada”.
Novo relator foi escolhido na última semana
Com a definição do novo relator, na última semana, finalmente o processo envolvendo os ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho começou a tramitar na 2ª Câmara Criminal do TJRJ. As últimas três semanas foram marcadas pela novela envolvendo a ação e a indefinição sobre quem iria julgar os desdobramentos em segunda instância, com diversas declarações de suspeição.
O nome do desembargador Celso Ferreira Filho foi sorteado na última quarta-feira depois que outra desembargadora da 2ª Câmara, Katia Maria Amaral Jangutta se declarou suspeita. Antes dela, o processo foi sorteado para a 1ª Câmara Criminal, que tem Luiz Zveiter como presidente. Desafeto público de Garotinho, Zveiter possui diversos processos por injúria e difamação contra o ex-governador.
De acordo com a consulta pública no site do Tribunal de Justiça, o processo começou, enfim, a tramitar. Foi enviado à 2ª Vara Criminal de Campos pedido de informações. Em um dos desdobramentos na segunda instância, também há pedido de informação sobre o habeas corpus do desembargador Siro Darlan.
Obra - Na última semana, a Folha da Manhã mostrou que o então conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Julio Rabello chegou a determinar o adiamento do primeiro edital de licitação do Morar Feliz, em julho de 2009, após elencar uma lista de pelo menos 30 itens que deveriam ser adequados. No mês seguinte, o tema voltou ao plenário da Corte e o relator votou, novamente, pela manutenção do adiamento do pregão após constatar uma série de irregularidades. No entanto, o conselheiro José Gomes Graciosa votou por liberar a licitação e foi acompanhado pelos demais membros do TCE.
Graciosa fez parte do grupo de cinco conselheiros do TCE que chegaram a ser presos em 2017, na operação Quinto do Ouro, após delação premiada do ex-presidente Jonas Lopes de Carvalho. Com a exceção de Jonas, que se aposentou, todos os demais seguem afastados do cargo e se tornaram réus no Superior Tribunal de Justiça por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. São eles: Aloysio Guedes, Domingos Brazão, Marco Antônio de Alencar e José Maurício Nolasco.

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