que boca!
- Atualizado em 04/09/2019 20:44
Que boca!
Cândida Albernaz
- Benza Deus!
- O que foi agora, Célia?
- Sabe aquele sobrinho do meu marido, que falei com a senhora na semana passada?
- O que batia na mulher?
- Não, esse é outro e ainda vai ter o castigo que merece.
- Não estou me lembrando.
- O Nando, que entrou lá em casa e roubou o que sobrou do salário que a senhora pagou e ainda levou meu celular.
- Ah...
- Pois é, só descobri porque o dono de um bar que tem lá perto de casa veio falar comigo que ele estava vendendo um celular e o nome que aparecia era o meu: Jocélia Pereira Silva.
- Você colocou seu nome completo na tela do celular?
- E não foi bom? O menino é tão burro que não trocou a tela.
- O que aconteceu com ele?
- Morreu.
- Como assim, morreu?
- E ninguém mandou matar, não. O que, aliás, com o tempo era o que ia acontecer, porque esses garotos terminam assim. Com a cara enfiada numa vala qualquer.
- Morreu de quê?
- Um caminhão passou por cima. Estava numa bicicleta que não era dele, segurando uma bolsa de mulher, que também não era dele e com certeza tentando escapar de alguém.
- Coitado!
- Também fiquei com pena. Mas ao mesmo tempo, foi um alívio.
- Por quê?
- O desgraçado, que Deus o guarde, me cercou na rua e quis dar na minha cara.
- ..
- Só porque falei que ia ter que devolver o dinheiro, já que o celular estava comigo. Ainda disse que ia dar parte dele na delegacia.
- Mas você não achou que era melhor ter deixado para lá? Filho de seu cunhado, e ainda por cima perigoso.
- Um moleque que ajudei a trocar fralda.
- O moleque cresceu...
- Foi falta de coça naquele lombo dele.
- ... e virou bandido.
- Fui na casa do irmão do meu marido e falei poucas e boas. Ele não gostou e veio tirar satisfações. Ainda mandou que eu ficasse longe dos pais dele.
- Talvez tivesse sido melhor. Com esses rapazes, o melhor é não se meter.
- O pior é que agora o irmão dele está atrás de mim.
- E por que, mulher?
- Fica dizendo que roguei praga e por isso o irmão morreu.
- Ele também se mete com roubo?
- Não que eu saiba. O problema é que roguei mesmo. Um criançola daquele ameaçando bater em mim. Falei que um caminhão ia passar na cabeça dele, porque ficava ameaçando a tia. Disse que Deus ia castigar.
- Que boca, heim, Célia!
- Pois, é. O pior é que a família toda fica me olhando de banda.
- Mas que culpa você teve?
- Aconteceu o que eu disse para ele.
- Foi coincidência.
- Será? Estou até com medo. Semana passada falei para meu marido que se ele não tomasse jeito e parasse de olhar para tudo o que é mulher, ia acabar ficando cego.
- Que bobagem, Célia.
- O homem está atrás de mim igual sarna, dizendo que começou a sentir dor nos olhos.
- Deve ser impressão dele.
- Só pode ser conjuntivite. Mas não foi só isso.
- Não?
- Disse para ele que de uma hora para outra, o “dito cujo” ia parar de funcionar, se ele continuasse me traindo.
- E daí?
- O homem já brochou duas vezes seguidas.
- Benza Deus! Que boca!
 

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Candida Albernaz

    [email protected]

    Candida Albernaz escreve contos desde 2005, e com a necessidade de publicá-los nasceu o blog "Em cada canto um conto". Em 2012, iniciou com as "Frases nem tão soltas", que possuem um conceito mais pessoal. "Percebo ser infinita enquanto me tornando uma, duas ou muitas me transformo em cada personagem criado. Escrever me liberta".