Que boca!
Cândida Albernaz
- Benza Deus!
- O que foi agora, Célia?
- Sabe aquele sobrinho do meu marido, que falei com a senhora na semana passada?
- O que batia na mulher?
- Não, esse é outro e ainda vai ter o castigo que merece.
- Não estou me lembrando.
- O Nando, que entrou lá em casa e roubou o que sobrou do salário que a senhora pagou e ainda levou meu celular.
- Ah...
- Pois é, só descobri porque o dono de um bar que tem lá perto de casa veio falar comigo que ele estava vendendo um celular e o nome que aparecia era o meu: Jocélia Pereira Silva.
- Você colocou seu nome completo na tela do celular?
- E não foi bom? O menino é tão burro que não trocou a tela.
- O que aconteceu com ele?
- Morreu.
- Como assim, morreu?
- E ninguém mandou matar, não. O que, aliás, com o tempo era o que ia acontecer, porque esses garotos terminam assim. Com a cara enfiada numa vala qualquer.
- Morreu de quê?
- Um caminhão passou por cima. Estava numa bicicleta que não era dele, segurando uma bolsa de mulher, que também não era dele e com certeza tentando escapar de alguém.
- Coitado!
- Também fiquei com pena. Mas ao mesmo tempo, foi um alívio.
- Por quê?
- O desgraçado, que Deus o guarde, me cercou na rua e quis dar na minha cara.
- ..
- Só porque falei que ia ter que devolver o dinheiro, já que o celular estava comigo. Ainda disse que ia dar parte dele na delegacia.
- Mas você não achou que era melhor ter deixado para lá? Filho de seu cunhado, e ainda por cima perigoso.
- Um moleque que ajudei a trocar fralda.
- O moleque cresceu...
- Foi falta de coça naquele lombo dele.
- ... e virou bandido.
- Fui na casa do irmão do meu marido e falei poucas e boas. Ele não gostou e veio tirar satisfações. Ainda mandou que eu ficasse longe dos pais dele.
- Talvez tivesse sido melhor. Com esses rapazes, o melhor é não se meter.
- O pior é que agora o irmão dele está atrás de mim.
- E por que, mulher?
- Fica dizendo que roguei praga e por isso o irmão morreu.
- Ele também se mete com roubo?
- Não que eu saiba. O problema é que roguei mesmo. Um criançola daquele ameaçando bater em mim. Falei que um caminhão ia passar na cabeça dele, porque ficava ameaçando a tia. Disse que Deus ia castigar.
- Que boca, heim, Célia!
- Pois, é. O pior é que a família toda fica me olhando de banda.
- Mas que culpa você teve?
- Aconteceu o que eu disse para ele.
- Foi coincidência.
- Será? Estou até com medo. Semana passada falei para meu marido que se ele não tomasse jeito e parasse de olhar para tudo o que é mulher, ia acabar ficando cego.
- Que bobagem, Célia.
- O homem está atrás de mim igual sarna, dizendo que começou a sentir dor nos olhos.
- Deve ser impressão dele.
- Só pode ser conjuntivite. Mas não foi só isso.
- Não?
- Disse para ele que de uma hora para outra, o “dito cujo” ia parar de funcionar, se ele continuasse me traindo.
- E daí?
- O homem já brochou duas vezes seguidas.
- Benza Deus! Que boca!