Entre ruas e abrigos, respeito
Camilla Silva 17/08/2019 18:50 - Atualizado em 26/08/2019 13:22
Folha da Manhã
Seis moradores de rua mortos em um ataque na noite do dia 19 de agosto. Esse crime aconteceu há 15 anos, na Praça da Sé, região central da capital paulista, e trouxe à tona a necessidade de reflexão sobre as violências sofridas por esse grupo e tornou a data o Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua. Segundo relatório obtido a partir de levantamento realizado pela secretaria municipal de Desenvolvimento Humano e Social (SMDHS), há 131 pessoas em situação de rua em Campos, a maior parte delas são de outros municípios. Mas a realidade de Campos em relação ao tema é diferente. Segundo quem atua na área de assistência social, não é comum o registro de casos de agressão e diversos grupos civis organizam ações de apoio. Um deles, o projeto Clínica Nômade Voz da Rua, realizado pelo Institutos Superiores de Ensino do Censa (Isecensa), leva há 6 anos atendimentos na área saúde e defende maior respeito e dignidade.
— Eu espero sair da rua. Tem o frio e o medo de ficar daqui — afirmou Francisco Monteiro que participa do programa Abrigo Noturno de Inverno, de Campos. No entanto, não são todos que têm o mesmo desejo. É o que aponta Patrícia Constantino, psicóloga, pesquisadora e professora universitária, que participa da coordenação da Clínica Nômade Voz da Rua. “Existe uma lógica higienista, de vê-los como algo que enfeia, suja, não só em Campos. Também tem uma visão assistencialista, no sentido de querer ajudar, de entender que a rua não é um espaço digno e de alguma forma querer retirá-los dali. Só que aí a gente esbarra no direito da pessoa de ir, vir e ficar onde ela estiver. Nós estamos falando de pessoas adultas. A gente considera que não é o espaço mais saudável para alguém viver, então a gente trabalha para mostrar alternativas que existem, como a casa de passagem, alguns abrigos, que têm vagas limitadas, mas que é possível, caso exista esse desejo, fazer esse movimento”, explica.
A SMDHS informou que as demandas por abrigos são feitas de acordo com as abordagens. “No entanto, fica a critério da população em situação de rua participar do Programa de Acolhimento, não sendo obrigado a aceitar, considerando que a Constituição Federal garante o direito de ir e vir”, informou em nota. Em entrevista recente, Ederton Rossini coordenador do Centro Pop reiterou que não é possível uma ação que pretenda expulsar pessoas que estão em locais públicos. “Caso alguém monte uma barraca, ou algo do tipo, uma ação do setor de Postura é possível. Mas não se pode obrigar ninguém a sair das ruas”, conta.
Chacina em SP - Em 19 de agosto de 2004, dez pessoas foram atacadas enquanto dormiam. Das pessoas atacadas, duas morreram na hora, quatro no hospital. Em 22 de agosto, houve novo ataque, quando cinco desabrigados foram agredidos da mesma maneira que os anteriores e um morreu na hora. Segundo as investigações, os crimes ocorreram para silenciar os moradores de rua que sabiam do envolvimento de policiais nos esquemas de tráfico de drogas da região. Na época, um segurança particular e seis PMs foram denunciados.
Voz, ouvidos e atenção sem assistencialismo
Segundo as coordenadoras do projeto Clínica Nômade Voz da Rua, realizado por professores e alunos dos cursos de Psicologia, Enfermagem e Educação Física do Isecensa, ele é realizado no sentido de que as pessoas que estejam em situação de rua se percebam como sujeitos de direitos, entre eles o da saúde, e saibam onde e como exercê-los.
— A gente já tem um produção teórica sobre isso. Um dos primeiros membros do Voz na Rua analisou as violências que a população em situação de rua sofre e a violência que eles mais sentem acometidos em Campos é a violência simbólica, a do olhar de desprezo — ressaltou a psicóloga Patrícia Constantino.
A preocupação não é apenas fornecer o apoio à população, mas também humanizar a formação profissional, aponta Aline Marques, enfermeira, pesquisadora e professora universitária.
— O aluno vai entrar se formar e vai encontrar a realidade lá fora e a realidade é que existe uma população que está em situação de rua. Por isso, todos os cursos se mobilizaram para fazer essa reflexão para que os estudantes possam criar essa consciência crítica e usem o conhecimento técnico e acadêmico para que intervir quando fizeram parte dos equipamentos de atendimento — finaliza Aline Marques.
Folha da Manhã
Dados apontam que maioria não é campista
Segundo relatório obtido a partir de levantamento realizado no mês de maio pela SMDHS e que será apresentado na próxima semana, há 131 pessoas em situação de rua no município. Deste total, 44,27% são naturais de Campos; as demais, de municípios e estados vizinhos. “A Secretaria está trabalhando com o retorno desses moradores para seus locais de origem, de forma humanizada, procurando reconstruir os vínculos familiares. Além disso, está notificando as Prefeituras de origem para ciência e providências. Os que são naturais de outras cidades alegam que procuram Campos dos Goytacazes por possuir ampla rede socioassistencial”, informou em nota.
Além destes casos, existem 61 pessoas acolhidas em abrigos municipais. e outras 30 no Abrigo Noturno de Inverno que foi transferido, na última sexta, para a Casa de Passagem.
Quem atua na área reafirma a necessidade de atenção para esses casos. “Não se trata de romantizar a população em situação de rua. Como tem na sociedade pessoas mais tranquilas e mais agressivas. É olhar para esses sujeitos nem com pena, nem com raiva. São pessoas como quaisquer outras. Se não a gente vai ter aquela impressão de ‘pobrezinho’. A gente tem que resgatar nelas a condição de cidadão que tem direito à cidade, que tem direito de acessar as políticas públicas, que a gente está aí de alguma forma tentando assegurar”, acrescenta.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS