Conversa vai, conversa vem.
Cândida Albernaz
Dona Marta, a senhora não imagina o que aconteceu hoje antes de vir para cá. Sabe o meu caçula? O Claudinho, aquele que falei que ia dar para a senhora batizar, mas depois teve que ser a irmã do meu marido, porque ela se zangou. Então, o danado do menino viu o botão da camisa do pai, que deixei em cima da mesa. Pegou e enfiou no nariz. Fiz de tudo e nada de sair. Levei para o posto de saúde e lá colocaram um troço no nariz dele e conseguiram tirar. O pior a senhora não sabe. Meu marido estava se arrumando para tentar um trabalho. Teve que sair com a camisa sem botão, bem na barriga. E a senhora conhece ele, não é? Lembra do tamanho daquela pança. Pois é, o umbigo enorme que mais parece uma vala ficou aparecendo. Ridículo, claro. Quando voltou, estava zangado porque não conseguiu o serviço e quis botar a culpa em mim. Veio dizer que estava mal vestido e os homens da fábrica não deram o emprego por isso. Agora a senhora veja só! Ele bebe até cair, come feito um boi, engordou nesses últimos anos como uma porca e vem reclamar que a aparência dele está ruim por minha causa. O que a gente tem que ouvir de homem, né? Já estou ficando enjoada dessa vida. E o pior é que não posso fazer nada. Mudar como? Ganho mal, não é sua culpa dona Marta, mas o salário mínimo não dá para nada. A casa onde moro é da família dele, estou com quatro filhos. Vou fazer o quê? Aguentar firme, eu sei. Mas é que às vezes tenho uns sonhos bobos. Fico imaginando que se eu tivesse estudado poderia ser alguém nessa vida. Assim como a senhora, que sabe falar direito, se veste com cada roupa... e o cabelo? Macio feito algodão. Às vezes sonho que estou num salão de beleza e aquelas meninas cuidando de mim feito uma rainha. Acho que ia dormir se tivesse alguém mexendo no meu cabelo e nos meus pés ao mesmo tempo. Quando posso faço minhas unhas. Então lembro que tenho tanta roupa para lavar e desisto de passar o esmalte. Não adiantaria nada mesmo porque vai borrar e ficar horrível. Se eu fosse bonitona assim como a senhora, queria ver se meu marido ficaria de olho na vagabunda da nossa vizinha. Desculpe o jeito de falar, mas é que aquela me tira do sério. Só quebrando a cara dela. E eu sei que nem se interessa por ele de verdade. O que a sem-vergonha gosta, é de dinheiro e isso ele não tem. Bonito também está longe de ser. O que ela quer mesmo é me provocar, rebolando daquele jeito e jogando o cabelo de um lado para o outro o tempo todo. O marido da tal se mandou com a cunhada e ela ficou trau-ma-ti-za-da. É assim que se fala, não é? Eu não tenho nada com isso. Se a irmã era uma piranha, ela que botasse para correr. Não dá nem para sentir pena, porque depois que foi abandonada, começou a dar para todo mundo. Deixe chegar perto. Que fique rebolando de longe, porque se pego os dois juntos, aquela cabeleira dela vai sumir. Arranco fio por fio. Dona Marta, a senhora está me olhando desse jeito... Já sei, estou falando muito outra vez, não é? Estava só explicando porque cheguei atrasada. Mas diga, o que faço para o almoço? Só não manda preparar frango de novo. Nem eu que não tenho luxo estou aguentando, quanto mais, seu Artur. Aliás, a senhora sabia que seu Artur ficou de arrumar emprego para meu marido? Dá uma forcinha, fala com ele, porque a senhora ele escuta. Escuta não, obedece! Meu marido sabe fazer de tudo. Ele ontem... Desculpe dona Marta, já estou indo para a cozinha. Depois a gente termina a conversa.