conversa vai conversa vem
- Atualizado em 29/08/2019 12:42
Conversa vai, conversa vem.
Cândida Albernaz
 
Dona Marta, a senhora não imagina o que aconteceu hoje antes de vir para cá. Sabe o meu caçula? O Claudinho, aquele que falei que ia dar para a senhora batizar, mas depois teve que ser a irmã do meu marido, porque ela se zangou. Então, o danado do menino viu o botão da camisa do pai, que deixei em cima da mesa. Pegou e enfiou no nariz. Fiz de tudo e nada de sair. Levei para o posto de saúde e lá colocaram um troço no nariz dele e conseguiram tirar. O pior a senhora não sabe. Meu marido estava se arrumando para tentar um trabalho. Teve que sair com a camisa sem botão, bem na barriga. E a senhora conhece ele, não é? Lembra do tamanho daquela pança. Pois é, o umbigo enorme que mais parece uma vala ficou aparecendo. Ridículo, claro. Quando voltou, estava zangado porque não conseguiu o serviço e quis botar a culpa em mim. Veio dizer que estava mal vestido e os homens da fábrica não deram o emprego por isso. Agora a senhora veja só! Ele bebe até cair, come feito um boi, engordou nesses últimos anos como uma porca e vem reclamar que a aparência dele está ruim por minha causa. O que a gente tem que ouvir de homem, né? Já estou ficando enjoada dessa vida. E o pior é que não posso fazer nada. Mudar como? Ganho mal, não é sua culpa dona Marta, mas o salário mínimo não dá para nada. A casa onde moro é da família dele, estou com quatro filhos. Vou fazer o quê? Aguentar firme, eu sei. Mas é que às vezes tenho uns sonhos bobos. Fico imaginando que se eu tivesse estudado poderia ser alguém nessa vida. Assim como a senhora, que sabe falar direito, se veste com cada roupa... e o cabelo? Macio feito algodão. Às vezes sonho que estou num salão de beleza e aquelas meninas cuidando de mim feito uma rainha. Acho que ia dormir se tivesse alguém mexendo no meu cabelo e nos meus pés ao mesmo tempo. Quando posso faço minhas unhas. Então lembro que tenho tanta roupa para lavar e desisto de passar o esmalte. Não adiantaria nada mesmo porque vai borrar e ficar horrível. Se eu fosse bonitona assim como a senhora, queria ver se meu marido ficaria de olho na vagabunda da nossa vizinha. Desculpe o jeito de falar, mas é que aquela me tira do sério. Só quebrando a cara dela. E eu sei que nem se interessa por ele de verdade. O que a sem-vergonha gosta, é de dinheiro e isso ele não tem. Bonito também está longe de ser. O que ela quer mesmo é me provocar, rebolando daquele jeito e jogando o cabelo de um lado para o outro o tempo todo. O marido da tal se mandou com a cunhada e ela ficou trau-ma-ti-za-da. É assim que se fala, não é? Eu não tenho nada com isso. Se a irmã era uma piranha, ela que botasse para correr. Não dá nem para sentir pena, porque depois que foi abandonada, começou a dar para todo mundo. Deixe chegar perto. Que fique rebolando de longe, porque se pego os dois juntos, aquela cabeleira dela vai sumir. Arranco fio por fio. Dona Marta, a senhora está me olhando desse jeito... Já sei, estou falando muito outra vez, não é? Estava só explicando porque cheguei atrasada. Mas diga, o que faço para o almoço? Só não manda preparar frango de novo. Nem eu que não tenho luxo estou aguentando, quanto mais, seu Artur. Aliás, a senhora sabia que seu Artur ficou de arrumar emprego para meu marido? Dá uma forcinha, fala com ele, porque a senhora ele escuta. Escuta não, obedece! Meu marido sabe fazer de tudo. Ele ontem... Desculpe dona Marta, já estou indo para a cozinha. Depois a gente termina a conversa.

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    Sobre o autor

    Candida Albernaz

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    Candida Albernaz escreve contos desde 2005, e com a necessidade de publicá-los nasceu o blog "Em cada canto um conto". Em 2012, iniciou com as "Frases nem tão soltas", que possuem um conceito mais pessoal. "Percebo ser infinita enquanto me tornando uma, duas ou muitas me transformo em cada personagem criado. Escrever me liberta".