dizem que dou risada de tudo
- Atualizado em 11/07/2019 09:55
Dizem que dou risada de tudo
Cândida Albernaz
Hoje podia ser domingo outra vez. Dois domingos: um para descansar e outro para fazer tudo o que preciso.
O que lavei de roupa ontem, não foi brincadeira. Preparei o almoço e ainda por cima meu cunhado resolveu aparecer com a mulher e dois filhos. Não é que não goste de visita, mas esses são folgados. Ela chega, senta numa das poucas cadeiras que temos e fica olhando as unhas longas e pintadas de vermelho. As minhas são bem curtas, porque rôo todas.
Ficaram para almoçar e o irmão do meu marido mandou comprar um refrigerante. Quando o filho voltou da venda, ele encheu os quatro copos e nem às minhas filhas perguntou se queriam um gole. Tanto sacrifício para comprar aquele frango e nem pudemos comer com vontade.
Qualquer dia desses vou dizer poucas e boas para esses dois. Não fiz ainda porque Jailton, meu marido, não deixou.
- Eles moram longe, só aparecem aqui poucas vezes, deixa para lá.
Não sou mulher de deixar para lá, sou de explodir.
Desta vez estava terminando de lavar um lençol quando ela chegou com o cabelo arrumado, o vestido passado e bem curto e as pernas brilhando do creme que usou. Eu no tanque, com uma blusa velha e a cabeça cheia de tinta, porque resolvi pintar o cabelo assim que acordei. Senti ainda mais raiva quando fez o comentário:
-Você precisa se cuidar, Jailton está novo e inteiro. Não dá bobeira, porque está cheio de mulher querendo um igual a ele.
Tive vontade de jogar o lençol encharcado no meio da cara dela. Vem até minha casa sem ser convidada e ainda enche o saco. É fácil ficar arrumadinha no domingo, filando almoço na casa de um ou de outro. Só sai quando escurece, impedindo a gente de descansar um pouco. O marido depois que fica com a pança cheia, diz que precisa dormir e deita na minha cama.
A desgraçada aqui tem que arrumar a cozinha e lavar tudo porque o máximo que a dondoca faz é um cafezinho, usando o meu pó, para ela. Sempre pergunta:
- Quer que faça pra você também?
Odeio café.
Mais tarde quando foram embora, eu e Jailton discutimos porque ele não gosta que fale do irmão. Não quero nem saber e jogo a raiva em cima dele.
Sou alegre e as pessoas que me conhecem dizem que dou risada demais. Prefiro levar a vida assim. Mas também tem uma coisa; se abusarem da minha boa vontade, não conto até dez. Os únicos que até hoje não me viram zangada de verdade foram esses. Não perdem por esperar. Avisei que foi a última vez. Saio de casa assim que os dois chegarem, e ele se vira.
A gente se dá bem. Sempre foi responsável e tem adoração pelas filhas. Homem trabalhador e ainda por cima, cheiroso.
Só tivemos problema sério uma vez há três anos, quando ele se assanhou com a vizinha. Descobri porque minha filha veio com uma história de que a fulana sempre levava um pedaço de bolo ou um doce gostoso para ela e o pai quando eu saía para o serviço. Não entendi a generosidade dela. Na mesma noite bati em sua porta, e com um pedaço de pão na mão disse que precisava retribuir os agrados que ela tinha com meu marido. Assim que abriu a boca para falar não sei o quê, enfiei o pão mandando que engolisse bem rápido. Arregalou uns olhos enquanto eu segurava sua cabeça e empurrava aquela massa para dentro de sua boca. Quando conseguiu se safar, me chamou de louca.
Jailton do portão assistiu tudo e ficou quieto.
Entrei em casa como se nada tivesse acontecido.
Não consigo dar risada o tempo todo, mas acho que as pessoas entendem. Nem sempre é possível.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Candida Albernaz

    [email protected]

    Candida Albernaz escreve contos desde 2005, e com a necessidade de publicá-los nasceu o blog "Em cada canto um conto". Em 2012, iniciou com as "Frases nem tão soltas", que possuem um conceito mais pessoal. "Percebo ser infinita enquanto me tornando uma, duas ou muitas me transformo em cada personagem criado. Escrever me liberta".