"Plano de perpetuação no poder"
Arnaldo Neto e Aldir Sales 18/05/2019 12:41 - Atualizado em 27/05/2019 12:32
Folha da Manhã
Um “tentacular esquema”, que, além das já conhecidas irregularidades com o Cheque Cidadão, “distribuía outras vantagens aos eleitores, tais como tijolos, cestas básicas, passagem de ônibus para Belo Horizonte, mensalidades escolares e até emprego” foi detalhado pelo juiz Elias Pedro Sader Neto, da 76ª Zona Eleitoral de Campos, em sentença, exarada na última semana, que condenou mais três réus em ação penal da Chequinho. O magistrado relata que a “organização criminosa” liderada pelo ex-governador Anthony Garotinho “torrou milhões de reais do dinheiro público, no interesse estritamente privado do seu mentor”, por meio de um “plano fraudulento de perpetuação no poder e de governança”, desarticulado, no período eleitoral de 2016, após denúncias. Para ele, ficou nítido que “o critério de vulnerabilidade socioeconômica” para distribuição do benefício social “foi substituído pelo da simpatia eleitoral”, fazendo da pobreza uma “oportunidade eleitoreira”, com o uso do dinheiro que era de todo cidadão campista. Por telefone, Garotinho disse que não responde à Folha.
Mesmo após um ano e oito meses da condenação em primeira instância a nove anos e 11 meses de prisão de Garotinho na operação Chequinho, a proporção do “escandaloso esquema” continua impressionando até mesmo os magistrados, acostumados a lidar com os mais graves crimes no dia a dia de trabalho. As investigações do Ministério Público começaram com a prisão em flagrante do então vereador Ozéias (PSDB) com dinheiro e anotações de candidatos que estariam distribuindo o benefício social em troca de votos, além do nome e endereço de eleitores.
— O critério da vulnerabilidade socioeconômica foi substituído pelo da simpatia eleitoral. Vale dizer, a pobreza deixou de ser critério e se tornou oportunidade eleitoreira. (...) Não é minimamente verdade que o ex-governador Garotinho e os demais corréus foram presos por fazer o bem, isto é, por distribuir dinheiro aos pobres — diz o juiz, que continua: “A dois meses das eleições de 2016, enquanto foram gastos R$ 13,2 mil do dinheiro público com as novas inclusões do Cheque Cidadão oficial, foram desviados para a prática do crime eleitoral de compra de votos, com o “chequinho eleitoral”, R$ 3.566.800,00. (...) O inaudito esquema de corrupção eleitoral capitaneado pelo ex-governador Anthony Garotinho, no afã desesperado de fazer o sucessor da sua esposa, no Executivo Municipal e, ao mesmo tempo, preparar a governabilidade no Legislativo”.
O juiz Elias Pedro rechaça, ainda, a versão do ex-governador de que há perseguição. “Tais esclarecimentos servem para espancar de vez a versão fantasiosa e absolutamente divorciada da realidade de que o sr. Anthony Garotinho e seus comparsas foram presos por distribuir benefícios assistenciais aos pobres.Só a certeza da impunidade é capaz de ensejar um mal feito tão repulsivo, aberrante em números e variações ardilosas”.
Ao todo, 37 políticos do grupo garotista, incluindo 11 vereadores eleitos em 2016 (e afastados posteriormente), além de suplentes, da então prefeita Rosinha e do candidato à sua sucessão, Dr. Chicão, foram condenados nas ações eleitorais da Chequinho. Em paralelo, o Ministério Público apresentou ações penais para parte dos réus da operação, incluindo Garotinho. Na sentença, Sader Neto afirma que “todos aderiram deliberadamente” ao esquema.
— Não resta dúvida de que todos os réus, cada qual com seu interesse e de certa maneira, aderiram, deliberadamente, ao mesmo plano fraudulento de perpetuação no poder e de governança dos Garotinhos. (...) Envolvendo um enorme número de candidatos, alguns já vereadores, cabos eleitorais e assessores, e, ainda, valendo-se do aparelhamento da máquina estatal, sob a influente liderança do sr. Anthony Garotinho e seus aliados.
“Fraude criminosa no interesse do mentor”
Na sentença de Garotinho, o juiz Ralph Manhães destacou que “o esquema criminoso sob apuração, além de ferir frontalmente a democracia, sangrava os cofres públicos em valor equivalente a R$ 3,6 milhões por mês”. O colega de toga de Manhães voltou a reafirmar o dano aos cofres públicos causado. “O ‘chequinho eleitoral’, uma fraude criminosa e pródiga, que, a um só tempo, torrou milhões de reais do dinheiro público, no interesse estritamente privado do seu mentor”, disse Sader Neto.
No entanto, antes da condenação em primeira instância, Garotinho chegou a ser preso preventivamente pela primeira vez em novembro de 2016, por ordem do juiz Glaucenir Oliveira. O episódio ficou conhecido pela cena do ex-governador esperneando em cima da maca ao resistir a uma ordem judicial para que fosse transferido do Hospital Souza Aguiar, no Rio, para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do presídio de Bangu.
Assim como os efeitos da primeira detenção preventiva, a prisão cautelar determinada por Ralph Manhães após a sentença de primeira instância foi revertida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É quando o juiz Elias Pedro destaca outro trecho: “Boquirroto como sói ser, após sair da prisão cautelar em razão deste tentacular esquema, o aludido chefe da associação criminosa gravou programa de rádio onde confessa sua forma de bem governar, que é comprando a parte necessária do Legislativo”.
No programa de rádio Garotinho diz: “Faça o seguinte: não vote só em mim, vote em um deputado que está do meu lado. Porque olha só: o cara vai votar em mim e vai votar em um deputado estadual contrário. Sabe o que vai acontecer? Depois vou ter que gastar dinheiro para comprar esse deputado”.
Apreensão impediu eleição de Godoy, diz Beth
Um dos condenados na ação penal sentenciada nessa semana, Thiago Godoy é aliado antigo dos Garotinho — hoje, está no gabinete do deputado federal Wladimir (PSD), fato que consta, inclusive, na decisão do juiz Elias Pedro. Sua pena restritiva de liberdade foi convertida em prestação de serviços comunitários, fato do qual ele já informou que vai recorrer. Para o juiz, o depoimento de uma ex-aliada, conhecida como Beth Megafone, corrobora com o que é chamado de “proximidade com o núcleo do poder” da família Garotinho.
Segundo Beth, uma caixa, a de maior quantidade, com os chamados “chequinhos” foi enviada para a casa de Godoy, com o objetivo de driblar a fiscalização eleitoral. Beth, que chegou a ser presa antes de passar a condição de testemunha chave do “escandaloso esquema”, afirmou inclusive que teve o auxílio de Thiago para fugir após ter a prisão expedida.
Beth relata ainda que Godoy não conseguiu o mandato de vereador “por causa de uma busca que aconteceu alguns dias antes da eleição e que apreendeu dinheiro que o Thiago usaria para ser eleito”. A operação mencionada pela testemunha aconteceu, na verdade, no sábado que antecedeu o pleito de 2016.
Foi uma operação conjunta da Justiça Eleitoral e da Polícia Federal que apreendeu, no dia 1º de outubro de 2016, R$ 138 mil em um condomínio de luxo próximo ao Shopping Estrada. No local, também foi apreendido material de campanha de Godoy.
Thiago afirmou que respeita a decisão judicial da ação penal, mas vai recorrer. “Sobre a apreensão, que não foi na minha casa como muitos pensam, o inquérito está em segredo de justiça e eu sequer sou investigado. Os demais fatos foram muito bem esclarecidos na defesa e tenho convicção da minha inocência”, disse Godoy.
Outros condenados — Além de Godoy, na sentença da ação penal em que o juiz traz detalhes que vão além da Chequinho, foram condenados Roberta Moura (PR) e Leonardo do Turfe (PSL). Godoy e Roberta chegaram a assumir o mandato na Câmara, justamente pelas mudanças após as decisões nas ações eleitorais. Eles também foram condenados e perderam seus mandatos. Já Leonardo, foi candidato pelo grupo em 2016.
Roberta e Leonardo foram sentenciados a cinco anos e três meses de reclusão, inicialmente no regime semiaberto. Procurada, Roberta disse que seu advogado entraria em contato, o que não aconteceu até o fechamento da edição. A Folha não conseguiu contato com Leonardo do Turfe.
Vale lembrar, ainda, que a decisão é de primeira instância e cabe recurso.

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