A Casa da Minha Infância
18/05/2019 10:47 - Atualizado em 18/05/2019 17:25
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Por Valéria Passos Sampaio Peres*
 Como esquecer o paladar da infância quando quase tudo era plantado, colhido e feito na hora?
Assim era na casa dos meus avós ... e meu avô que veio da Espanha fugido da fome, do desemprego trouxe os hábitos e costumes europeus de se produzir e colher o que se plantava no quintal.
O gosto do sempre insosso chuchu nos remete a um sabor inesquecível, o angu feito do milho da espiga leve e fresca nos alimentava acompanhado de um cafezinho.
O tomatinho tinha um sabor levemente adocicado cozido com uma pimentinha do reino ... e as carnes? Tudo vinha do galinheiro, do criador de porcos e meu tio Pedro se encarregava de matar, desossar, limpar as tripas e produzir as melhores e puras linguiças.
Casarão da Família Sampaio Peres em S.J. dos Calçados-ES
Casarão da Família Sampaio Peres em S.J. dos Calçados-ES / Foto: VPSP
Essas ficavam penduradas em cima do fogão a lenha e, em segundos, ouvia-se o chiado delas numa frigideira de ferro soltando aquela gordura que se espalhava junto com o aroma exalante aos nossos olhos e paladares.
 Não tenho lembranças se naquela época comíamos carne de gado - talvez pelo fato do quintal ser imenso, mas não o suficiente para abrigá-los.
As carnes duravam meses armazenadas em latas que se alinhavam num canto ... bastava minha avó Amelia enfiar uma concha e dali saia um pedaço de lombo, carré, costelinha, envolto numa gordura branca translúcida para uma panela disposta na trempe do fogão ... e o arroz, o feijão que se comprava no armazém de secos e molhados era o prato nosso de todos os dias ... o que variava era o naco do porco, ou as partes do frango.
Seria couve ou taioba com angu salgado ( o mais doce era pro café), chuchu, ou o que fosse da estação. Tudo ali do quintal, e o hábito de todos sentarem-se à mesa para alimentar o corpo e a alma.
Nas nossas tardes as conversas eram abastecidas com o bule de café de ágata acompanhado de bolos e biscoitos fritos - que graças à generosidade das minhas tias aprendi a fazer com o mesmo sabor daqueles que lá se comia.
E não havia ninguém que na casa entrando saísse sem comer - ofensa seria se não houvesse aceitação. O sinal de ser bem vindo ...
 A vida traduzia-se em conversas ... intermináveis.
À tardinha e, logo após o café, minha avó grudava numa cadeira para ouvir o rádio, novelas, notícias? Não sei ... mas sempre colada nele.
Acho que ela se limitava a grudar no rádio porque a algazarra dos netos, as conversas que ainda restavam na cozinha ao lado e a transmissão daquela época não deviam ser suficientes para o seu ouvido atento.
E, vez ou outra,  surpreendia nos passando o que acontecia fora daquela casa. Me lembro da notícia da morte do John Kennedy - tão surpreendente e tão longínqua - mas não menos chocante quanto outras que viriam ...
E, desse jeito, numa simplicidade inigualável a vida transcorria.
Ainda hoje transcorre em minhas doces memórias.
*Valéria é advogada

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    Nino Bellieny

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