Folha Letras - Shoppingmania
*Antônio Nunes dos Santos - Atualizado em 14/03/2019 19:04
A febre materialista tem seu antipirético na distensão religiosa que prega a humildade, o desapego aos bens terrenos. A julgar pelo número de templos de igrejas, capelas e congregações, o Brasil está integralmente convertido à redenção cristã. Restam, evidentemente, algumas tribos remotas e a dos recalcitrantes inveterados, cujas aldeias e corações são mesmo de difícil acesso. Mas são vicissitudes humanas, no vasto espaço geográfico-moral, perfeitamente previsíveis. E previstas pelo Divino Mestre.
Há, nesse mister, condições adversas desafiadoras do “ide e pregai a todos o evangelho”, tanto no enfrentamento dos destinatários, quanto na identificação dos mandatários, no desempenho do sagrado mandato.
Nenhum reproche a qualquer religião, nem aos que se empenham no trabalho missionário, posto que o assédio e o aliciamento são apelos emulativos, inaceitáveis enquanto métodos que importunam e desrespeitam a liberdade de crer. E tal emulação é evidente na publicidade cara, na edição de livros, jornais e revistas de conteúdo nada evangélico, visando ao crescimento numérico de seguidores, só para ostentar as estatísticas. E, “ipso facto”, arrecadar mais para enriquecer tais instituições e seus fundadores ou líderes. Talvez, os únicos beneficiários.
É aí que o remédio é tão pernicioso quanto a doença.
Lamenta-se a associação da atividade religiosa às atividades econômicas que têm por fito o lucro. Uma aparente impertinência. Só aparente. Nenhuma aleivosia, entretanto e portanto, mas uma constatação muito em voga por aqui. Esta a temática da crônica, estranhamente epigrafada de “shoppingmania”, título muito estranho de um enfoque aparentemente nada-a-ver. Senão, vejamos, para prevenir incongruências e ilações apressadas.
As luxuosas lojas de departamentos londrinas e novaiorquinas – comércio sofisticado de artigos finos e caros – são a novidade dos centros comerciais das cidades, “hot point” da juventude ociosa. A moda, de há muito globalizada, impõe-nos mais esse estrangeirismo: o shopping center. Além de suscitar a febre consumista, atrai para os minicinemas, teatros de bolso e de fantoches, pistas poliesportivas e playgrounds, milhares de pessoas. Um centro moderno de comércio e lazer classe-média-alta. Uma nova mania das populações citadinas.
Aliás este é o tempo dos aumentativos. Dos megainvestimentos. Dos hipermercados. Das hipertrofias generalizadas. Das igrejas, inclusive. Constroem-se templos que desafiam a fé de multidões; e o poder econômico também. Puro exibicionismo que contradiz a essência do ordenamento evangélico: humildade e autenticidade da fé.
A shoppingmania atinge também as religiões, que usam seu poderio para atração dos curiosos (fiéis maria-vai-com-as-outras, oportunistas, sem nenhuma convicção), que buscam diversão nos shows musicais, no calor do roça-roça das grandes concentrações. Em contrapartida, os líderes aplicam sua psicologia de gestão de negócios, para fazê-los discípulos-contribuintes, em troca de milagres e salvação.
Não se discutem a ingenuidade burra de uns e a adesão interesseira de outros. As multidões que seguiam o Senhor Jesus buscavam, na verdade, benefícios pessoais, curas, etc. Poucos o seguiram após a multiplicação dos pães e dos peixes, após a libertação de seus males crônicos. Haja vista o episódio marcante dos dez leprosos: nove sumiram contentes da vida.
Discute-se a metodologia dessa ação missionária espetaculosa e sob certo aspecto, suspeita.
O livre arbítrio é direito insculpido no homem pelo próprio Criador. O que se permite é o aconselhamento oportuno, a correção com amor, a abertura para a verdade, sem imposições nem juízos preconcebidos. Há que se respeitar, ponderar e ouvir pacientemente, para convir ou convirem todos numa nova e justa realidade. Com discrição, sem empáfia, para não parecer persuasão, as resistências hão de ser permeabilizadas pela palavra leniente, pela força didática dos exemplos, pela convicção indutiva da fé.
Como a semente que é lançada ao léu, em teste de germinação espontânea, segundo a lição do Mestre Semeador que, parece, não tem pressa da colheita. É, então, que se deduz: a aceitação é inspirada; deve, porém, medrar a seu tempo, baldadas todas as resistências.
Que fazem os evangelizadores desavisados, no açodamento de espúrios interesses? Estiram gavinhas, enleiam e constrangem. Importunam como a hera que se alastra e asfixia.
Onde a consciência do novo homem que há de nascer? Onde a prova da autenticidade dessas conversões em massa?
Não hesito em afirmar que há valores escusos nessa pragmática inflexível de efeito imediato. Prova-os a síndrome de ganância e de emulação. O negócio (parece evidente) é fazer adeptos, fanatizá-los para serem dóceis, fichá-los, cadastrá-los na tesouraria – prioridade mesquinha dessas religiões que impressionam os incautos com suas faraônicas edificações.
Seriam casas de Deus?
Absolutamente. São shoppings-centers da fé, com sistemas eletrônicos de segurança e contabilidade ligados a uma central nababesca que trama até a conquista do poder político.
Justifica-se, assim, a proliferação febril de templos em todas as ruas de todos os bairros, nos proletários principalmente, onde os pobres de espírito (não em espírito, os bem-aventurados) deixam-se enganar com as promessas de solução de todos os problemas (do corpo e do bolso); aterrorizam-se com a arrogância dos pregadores que soqueiam o ar, gritam, andam de um lado para outro em atitudes agressivas, nada evangélicas. Para tais fins, vale tudo. Até o grito-trioelétrico dalguns sermões.
O negócio rende. Em tempo de desemprego, é comum a abertura de biroscas e quitandas por toda parte; e a exploração da ingenuidade alheia abre perspectivas ao comércio da fé pelos mais espertos, pois em terra de cegos quem tem um olho é rei. Ou pastor. Ou obreiro. Ou médium curandeiro-rezador. Todos enquadrados na profecia que adverte para os falsos pastores – os lobos vorazes.
Sinal profético do fim dos tempos.
E nem preciso tocar nas heresias e falsas doutrinas que pregam para anatematizá-los. Condenam-se pelo que pregam, pois falta-lhes autoridade, atributo da inspirada vocação.
A esta crônica basta o enfoque material dessas seitas oportunistas e religiões de fachada. Com ênfase, logicamente, no inescondível e incontestável balcão maldito por onde trocam blasfemamente o “Verbo de Deus” pelo dinheiro, sem o mínimo escrúpulo de expropriar os mais miseráveis.
Isto não é shoppingmania?

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