Carro parado com muitas histórias
Camilla Silva 23/02/2019 19:09 - Atualizado em 25/02/2019 17:40
Isaias Fernandes
“Quem merece beber a água com você é quem te ajudou a cavar o poço”. Essa é a lição que Nilce Moço, de 73 anos, colocou em seu carro. O Chevette, comprado há quatro anos, fica estacionado na rua Manhães Barreto, no Jardim Maria de Queiroz, em Campos, e funciona como uma exposição a céu aberto. Atualmente, ela vive na Casa de Passagem e o carro funciona como um refúgio. A conversa dela é tímida, já que, quando a entrevista foi realizada na última quarta-feira (20), afirmou que não estava em um dia bom. De qualquer forma, não deixa de mostrar um sorriso largo no rosto. A equipe da Folha da Manhã perguntou se seria possível retornar em outro dia, se ela arrumaria o carro para fazer uma foto. A resposta veio simples. “Não é uma questão de arrumação. É que hoje eu não estou bem. Ele [o carro] sempre reflete como eu estou me sentindo”, explica.
As mensagens que Nilce escreve e as imagens que ela produz ganham o painel, janelas e para-choque do carro. Além do material que ela mesma prepara, capas de cds também ganham destaques. “O que eu escuto e escrevo é para falar em amor, falar em luz”, afirma.
No rádio, uma sequência de músicas de amor embala os pensamentos da escritora. Nilce conta que já foi muito apaixonada, o que a levou a tomar decisões precipitadas na vida, mas não demonstra arrependimento. A paixão que hoje sente e, não esconde, é pelo Chevette. Afirmou que esse é o sétimo que já adquiriu. Teve carros de outros modelos, mas este foi eleito por dona Nilce como o seu predileto. Perguntada para onde costuma passear quando decide viajar com o veículo, ela traz uma surpresa.
— Na realidade, ele está ‘paradão’ aí. Faz anos que não dirijo. Tenho medo de sofrer algum acidente, de atropelar algum animal, esse tipo de coisa. Com o tempo, fiquei com esse receio. Mas mesmo parado, nunca deu defeito. Nunca foi feito nada na parte elétrica e mecânica. É um ótimo carro — contou.
Nilce fala pouco sobre o passado. A campista contou, apenas, que cresceu próximo à Usina do Queimado, onde o pai trabalhava, e relata que sente saudades. Há cerca de dois meses, viu uma matéria sobre artistas que fazem intervenções nas ruas e se identificou.
— Eu vi o jornal falando sobre pessoas que escrevem e que estampam essas coisas assim para a população. Eu sei que as músicas que ouço fazem parte da cultura, mas não sabia que eu fazia parte da cultura. Fiquei feliz — afirmou.
A diretora do Departamento de Proteção Social Especial, Elma Sizenando, diz que apesar de ter benefício de transferência de renda, Nilce prefere residir no acolhimento, onde identificou um sentimento de residência.
Instituição — A Casa de Passagem é um acolhimento institucional para adultos, famílias em situação de rua e migrantes, onde é desenvolvido um trabalho junto a estes acolhidos até que os vínculos estejam restabelecidos ou a independência necessária para convívio em sociedade. São ofertadas 30 vagas para o público alvo. Estas vagas são reguladas pelo Centro Pop, centro de referência especializado, sendo considerado o regulador de vagas, onde as pessoas são referenciadas. Ao todo, a Prefeitura de Campos mantém três equipamentos voltados para a população em situação de rua, a Casa de Passagem, Abrigo Lar Cidadão, além da instituição co-financiada Francisco de Assis.

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