Atos antiespecistas e sobre veganismo periférico marcam semana dos Direitos Animais
21/12/2018 02:10 - Atualizado em 21/12/2018 03:14
Texto por Thaís Tostes / Mídia NINJA
Nesse último dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, também foi o Dia Internacional dos Direitos Animais (conhecido pela sigla DIDA). A data é novíssima e foi criada pela ONG inglesa Uncaged, em 1998. O dia faz uma alusão à ratificação, na ONU, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, e a proposta principal da data é chamar a atenção para a necessidade de que todos os animais sejam reconhecidos como sujeitos de direitos. Atualmente, a sociedade trata os animais como objetos, coisas, economia, propriedade e recursos da natureza. E além da Declaração Universal dos Direitos Animais ser contraditória, o Brasil não a assinou. Nesse período, vem ocorrendo várias ações, protestos e atos em várias cidades do país, organizados por defensores de animais da área independente e também por coletivos e ONGs. Em São Paulo-SP, por exemplo, aconteceu no último dia 9 o Veg Fest São Paulo, um evento vegano da cena underground, organizado pela mesma galera que promoveu a clássica Verdurada e que promove o Hardcore Contra o Fascismo (evento que surgiu após o aparecimento do inominável). A proposta principal do Veg Fest foi debater a ligação que existe entre os Direitos Animais e os Direitos Humanos, colocando na roda várias questões relacionadas ao especismo, racismo, sexismo e outras áreas. Além disso, Sampa sediou, nessa segunda-feira (17), o encontro “Bancada Ativista Escuta: Causa Animal”, quando a Bancada Ativista, eleita no Estado de São Paulo, recebeu ativistas da libertação animal para conversar sobre pecuária, consumo, veganismo, proteção animal, educação animalista, agroecologia, ecofeminismo (ou feminismo antiespecista), veganismo negro e outros temas.
Ato do coletivo antiespecista Vozes em Luto SP (foto: Thaís Tostes/Mídia Ninja)
Ato do coletivo antiespecista Vozes em Luto SP (foto: Thaís Tostes/Mídia Ninja)
 
A LUTA PELA LIBERTAÇÃO ANIMAL
Na semana passada, São Paulo também foi palco para um ato da ONG Veddas, quando vários ativistas foram para as ruas segurando corpos de animais mortos. Esses animais usados no ato fazem parte do descarte das cruéis e gigantescas indústrias da carne, ovos e laticínios. Dezembro é o mês mais violento para os animais, por conta do avanço do extermínio animal para as festas de final de ano. E por isso São Paulo-SP também promoveu no último domingo, dia 16, no Vão Livre do MASP, a terceira edição do Natal Sem Sangue, um ato contra o holocausto animal, idealizado pelo movimento 269 Nordeste e articulado em Sampa pelo coletivo anti-especista Vozes em Luto SP.
O Brasil, país que mais mata animais no mundo (JBS-Friboi, perdendo apenas para a China Shiping Group, maior exterminadora de animais aquáticos), e que concentra na pecuária o maior índice de trabalho escravo, parou nos últimos dias com o caso da Manchinha, a cachorrinha que foi espancada por um segurança do Carrefour de Osasco-SP. O caso gerou uma repercussão gigante e atos, em várias cidades, de boicote à Rede Carrefour, e embora a maioria das pessoas envolvidas nos atos ainda comam os animais, é possível que, com esse caso, a causa antiespecista consiga alguns avanços. A luta antiespecista também acontece no campo jurídico, com vários profissionais da Justiça envolvidos na construção do Direito Animal, e uma das maiores lutas travadas no país é pelo fim do embarque de animais vivos nos portos brasileiros, e contra a bancada ruralista, que além de exterminar milhares de animais por segundo também assina a violação dos direitos dos quilombolas, sem-terras e indígenas. Na luta pela libertação animal e pela libertação humana, os inimigos são em comum.
FEMINISMO ANTI-ESPECISTA EM DIÁLOGO COM A BANCADA ATIVISTA
Na escuta da Bancada Ativista, que aconteceu no espaço Matilha Cultural, esteve presente o coletivo feminista anti-especista (ou ecofeminista) FeminiVegan. Elas falaram sobre a luta pelas fêmeas de outras espécies além da humana e, ainda, sobre o desafio de levar a conscientização sobre a exploração animal para as periferias.
“Uma das nossas principais ações é mostrar que o veganismo não é comida. Veganismo é um ato político. Então, tipo… ‘Ah, eu não gasto água porque eu fecho a torneira quando eu escovo os dentes.’. ‘Mas você come hambúrguer’. Então, são muitas questões que você tem que conscientizar as pessoas. E a luta é pra tirar essa capa de que veganismo é pra rico. E as pessoas que precisam do acesso ao veganismo não possuem esse acesso – esse acesso é negado, de forma violenta. Para fazer o veganismo de verdade nós temos que mexer onde está a população. Porque, querendo ou não, a partir do momento em que grande parte dos trabalhadores estão optando pelo veganismo, muito provavelmente eles não vão querer trabalhar na indústria da carne – eles não vão querer depenar um frango. E as pessoas que precisam desses trabalhadores vão sentir que não estão tendo os funcionários, e assim ficam sem os produtos.”, expuseram as integrantes do FeminiVegan. No evento, também marcaram presença integrantes da base ecossocialista do PSOL-SP, integrantes do Movimento Afro Vegano (MAV), além de Nina Rosa (idealizadora do documentário A Carne é Fraca, de 2004 e ativista fundadora do Instituto Nina Rosa, que promove conscientização sobre defesa animal, consumo sem crueldade e vegetarianismo); Ale Nahra (agroecologista vegana e escritora) e integrantes do Coletivo Vegano, que trabalha a proteção animal com os setores de base e do Santuário Salvando Vidas, um dos maiores santuários de animais da América Latina.
VEGANISMO PARA OS MANOS DA PERIFERIA E O FOCO NA LIBERDADE DOS ANIMAIS (AO INVÉS DO FOCO NO CONSUMO)
Uma das palestras do Veg Fest São Paulo foi “Deselitizando o veganismo – Para o desmonte de um sistema estrutural que escraviza animais humanos e não-humanos, e que faz o veganismo parecer algo inacessível para o povo periférico”. Quem falou sobre isso foi o Duh, da página Vegano Periférico, que tem mais de 60 mil seguidores no Instagram. A galera do @veganoperiferico é uma das bases mais atuantes na linha de frente da luta pela libertação animal. Nas redes você também encontra o @veganodequebrada
“‘É interessante começar de onde você tá. Começa da elite. Comecem vocês tirando essa capa de prepotência, de arrogância. Vocês, veganos, que estão olhando pro mundo com uma visão de consumo, comecem com vocês, tirando isso, popularizando. Vocês não sabe como que é? Vai na rua, meu! Vai na periferia! O veganismo vem sendo vinculado ao nicho de consumo, e eles estão fazendo um movimento pra quem tem dinheiro, pra quem tem possibilidades. Entendeu? E essas pessoas têm muito poder – essas que estão fazendo o movimento se manter elitista. Esse é o problema. Então, quando a gente da base começa a falar que o movimento não é elitista, a gente enfraquece e faz com que as pessoas não se importem com a deselitização. Porque a questão é o animal. Quando você tá preocupado com o animal, você quer fazer algo pra mudar. E quando você mostra que é elitista, a tendência é que essas pessoas mudem”, comentou Duh.
Na edição anterior do Veg Fest, quem marcou presença foi o DJ dos Racionais, KL Jay, que é ativista dos direitos animais e fala principalmente para a população negra e periférica. Na página Vegano Periférico, seus desenvolvedores não expõem suas imagens, ao contrário da maioria das páginas veganas, que são elitistas, onde o foco se torna a própria pessoa (curtindo praias, restaurantes caros, hotéis) e pratos com ingredientes totalmente inacessíveis para a população pobre. O que era pra ser, então, uma avalanche de pessoas na luta pela liberdade dos animais (e da população oprimida) se torna um mutirão de glutões consumistas alimentadores do ego e do poder de compra.
“Nos eventos veganos, por exemplo, as pessoas não estão preocupadas em quanto elas vão cobrar nos produtos. Porque é um movimento voltado para a classe burguesa. E quando chamam a gente pra estar em locais assim eles chamam porque é bonito ver um pobre falando. Sobre a página, eles ficam perguntando se não vamos postar fotos nossas. Não, não vamos. Porque o foco não somos nós, e sim o conteúdo, os textos. Quem pesquisa sobre veganismo hoje na internet vai ver que a parada não é pra gente. Mas é preciso lutar contra isso. O movimento é pra uma minoria privilegiada. Eu ‘tava conversando com um camarada e ele me perguntou: Você usa que tipo de açúcar? Eu disse: açúcar – açúcar normal. Ele me perguntou se eu comia arroz, eu disse três vezes que eu comia.”, contou Duh. Então, o que a galera do veganismo de base tenta fazer? “A gente tenta popularizar a forma de falar, popularizar como o movimento é visto. O ponto principal pra você conseguir alguma coisa na periferia, em favela, com pessoas que foram extremamente sabotadas pelo ensino público, é por meio da comunicação. E outra: tem que conhecer, tem que saber como fala, tem que entender. Porque você não consegue olhar por trás dos muros do condomínio fechado, tá ligado?”
VEGANISMO NEGRO E O SISTEMA QUE MATA OS NEGROS PELA BOCA
Outra palestra que integrou o evento foi com a ativista vegana Márcia Cris, jornalista e integrante do Movimento Afro Vegano (MAV). Márcia falou sobre “Nutricídio: Por que os piores alimentos são distribuídos entre a população preta e periférica?”.
Márcia falou sobre o esquema das indústrias de alimentos (que inclui as indústrias da carne, laticínios e ovos), que mata os negros aos poucos. A ativista explicou que essas indústrias partem de dois processos – um deles é produzir os alimentos de baixa qualidade, que são os que vão para a periferia, para a população pobre e preta; e o outro é a distribuição dos produtos de alta qualidade (que também são ruins, industrializados), que vão pra população dos centros e bairros mais ricos.
“O que chega nas populações pobres e periféricas são os refrigerantes com mais açúcar, os biscoitos com mais gorduras; e os produtos com menos açúcar, integrais, produtos melhores, vão para os centros, que é onde as pessoas podem escolher o que elas querem comer. Elas têm esse poder de escolha, que a população periférica não tem – o que é colocado pra periferia, a periferia compra, porque não pode escolher. A periferia, quando come, come errado! É um plano muito bem arquitetado pra dizimar a população preta e periférica por meio da alimentação.”, explicou Márcia, falando também sobre a exclusão da população negra e periférica, feita pelos chamados “veganos de elite”, e sobre a importância dos negros retomarem um tipo de alimentação, sem matança de animais, que sempre fez parte da ancestralidade, da África:
“Também tem a questão do veganismo de elite; que vegano come castanha. Eu como amendoim e me sinto bem. É bem baratinho e eu não preciso comprar macadâmia que custa cem reais na zona cerealista, que é o lugar mais barato. E é isso que tem que ser passado pras pessoas. Dá pra você fazer pratos legais; dá pra fazer muita coisa gastando muito pouco. Quando dizem que veganismo é para a elite é porque não querem que a periferia participe de uma coisa que é bacana e que vai fazer bem para a população negra e periférica. A questão do diabetes, por exemplo, surgiu quando os negros, escravizados, foram colocados pra trabalharem nas plantações de cana-de-açúcar. Então, junto com a colonização eles também trouxeram como presente as doenças oriundas da Europa. Nossos ancestrais negros, na África, berço da humanidade, comiam vegetais e legumes, frutas, eram extremamente saudáveis, trabalhavam na terra. E do mesmo modo que o trabalho foi imposto aos negros, a alimentação também foi, e é imposta até hoje.”
Márcia também destacou iniciativas que vêm promovendo a libertação animal e a libertação humana, como, por exemplo, as hortas urbanas, construídas em ocupações e nas periferias. “Porque aí os negros e a população pobre retomam o poder contra o nutricídio. Os médicos nunca vão dizer, por exemplo, que a raça negra tem uma intolerância à lactose. Eles não vão falar que se o negro parar de tomar leite ele não vai mais problemas de saúde. A gente infelizmente não pode esperar isso da classe médica, porque eles estão envolvidos em lobbys, em esquemas com a indústria farmacêutica. Então, por meio da informação, nós negros temos que voltar a colocar a mão na terra, temos que retomar esse poder de alimentação, retomar o que é nosso – o veganismo preto!

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