Partindo do Pressuposto que a Pergunta Fale de Jair Bolsonaro, Diria que Mesmo se o Messias Eleito Fosse Jesus Cristo, Ele Teria Dificuldades, na Visão de Aluysio Abreu Abrindo a Boca para Marco Barcelos
07/11/2018 12:46 - Atualizado em 08/11/2018 10:45
1 - Aluysio Abreu, as urnas mostraram que estamos cansados de deterioração social, e elegemos um indivíduo simples e de classe média, acabando com todo o antigo sistema mafioso esquerda direita e centro, isso demonstra evolução social e real poder nas mãos do povo. Como espera que Bolsonaro inicie esse processo de retomada da ordem, da moralidade e valorização das estruturas de poder como polícias e forças armadas?
 
 
R: As urnas mostraram, sim, o cansaço do eleitor. Difícil saber o que você chama de deterioração social. Se considerar a deficiência nos serviços públicos como saúde, educação, transporte e infraestrutura, o cansaço não é de hoje, mas de 2013, quando levaram aos protestos de rua das “Jornadas de Junho”. Isso, é claro, além da explosão da violência. Desde 2016, ultrapassamos a faixa dos 60 mil homicídios/ano no país. Segundo o próprio Ipea, equivale à queda fatal de um Boeing 737 lotado, todos os dias, no Brasil. Agora, dizer que a eleição de um “indivíduo simples e de classe média” mudará isso, partindo do pressuposto que a pergunta fale de Jair Bolsonaro, diria que mesmo se o Messias eleito fosse Jesus Cristo, ele teria dificuldades. Mesmo porque, na eleição mais importante da sua vida, o povo escolheu Barrabás. Dizer que uma eleição, naquele tempo ou agora, acabou com “todo o antigo sistema mafioso”, além de pretensioso, é perigoso como qualquer generalização. A classe política não é uma criação à parte da sociedade que representa. A cara dos deputados federais votando o impeachment de Dilma, em 2016, só incomodou tanto porque era a face exata do brasileiro que os elegeu. Como a do campista é a mesma que se pode observar nas 25 caras da Câmara Municipal de Campos. Pode não ser bonita, mas é verdadeira. Sinceramente, tenho dificuldade de enxergar renovação em quem está na vida pública há mais de 30 anos e fez da sua família uma oligarquia política, aos mesmos moldes de outras, como os Garotinho. O que há de novo, se é a maneira de se perpetuar no poder do país desde as capitanias hereditárias? Não votei em Bolsonaro no segundo turno. Tampouco em Haddad. Estou entre os 42,1 milhões de brasileiros que, entre os dois, anularam o voto, votaram em branco ou simplesmente se abstiveram de votar. Somos menos do que os 47 milhões que escolheram Haddad, ou que os 57,7 milhões que elegeram Bolsonaro, mas certamente não somos poucos. Isso posto, o que espero de Bolsonaro? No mínimo, que ele cumpra seu discurso de vitória: “vou guiar um governo que defenda e proteja os direitos do cidadão que cumpre seus deveres e respeita as leis; elas são para todos. Porque assim será o nosso governo; constitucional e democrático”. Retomada da ordem e da moralidade é pauta subjetiva. E, ao longo da história, hipócrita. Sempre dependerá de quem, e sob quais critérios, definirá o que são ordem e moral. Quanto às polícias e as Forças Armadas, é mais fácil: seus papeis já estão definidos na Constituição. São estruturas de poder do Estado. E, com Bolsonaro, voltaram a ter poder político. Se tem que ser valorizadas? Sim, como os servidores da educação, da saúde, ou da limpeza pública.
 
 
2 - Aluysio Abreu, como você vê o desaparecimento da antiga esquerda oriunda dos herdeiros de Getúlio Vargas, como por exemplo Leonel Brizola; e a ascensão e prevalência de esquerda radical atual?
R: Getúlio assumiu como presidente a primeira vez na Revolução de 1930. De lá até a esquerda brasileira perder o segundo turno para Bolsonaro são 88 anos. Impossível resumir isso em poucas linhas. Até porque os ideais marxistas e anarquistas chegaram antes ao Brasil, a partir da imigração européia entre 1870 e 1914. Mas sua raiz já estava no movimento abolicionista do país. Como os eleitores de Bolsonaro interpretariam os versos escritos por Castro Alves em 1865, no poema “O Século”: “Quebre-se o cetro do Papa./ Faça-se dele — uma cruz!/ A púrpura sirva ao povo/ Para cobrir os ombros nus”? Comunista? Será que hoje mandariam o maior poeta do nosso Romantismo à Cuba ou à Venezuela? Na dúvida, o Partido Comunista do Brasil (PCB) foi fundado em 1922. Só oito anos depois, Getúlio chegaria ao poder e se sucederia como ditador do Governo Provisório (1930/34), do Governo Constitucionalista (34/37) e do Estado Novo (37/46). Foram todos regimes autoritários, que censuraram, torturaram, mataram e flertaram abertamente como o nazifascismo. A CLT, por exemplo, pela qual a esquerda brasileira hoje tanto briga, é uma adaptação getulista da Carta del Lavoro fascista de Mussolini. Como ele e Getúlio pensaram, serviu para garantir direitos aos trabalhadores e “roubar” essa pauta dos movimentos revolucionários marxistas e anarquistas. Na II Guerra Mundial (1939/45), se entregou Olga Benário grávida do líder comunista Luís Carlos Prestes para morrer num campo de concentração da Alemanha de Hitler, Getúlio também soube negociar com o presidente dos EUA Franklin Roosevelt, trocando a instalação da base aérea deles em Natal (RN), fundamental para atacar a África do Norte, pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda. Foi ela que tornou possível o salto industrial do país, sobretudo na produção automobilística, no governo de Juscelino Kubistchek (1956/61). Brizola, também por ser gaúcho como Getúlio, se inspirou na mitologia populista deste como “Pai dos Pobres”. Como Lula o faria depois. Com o suicídio de Getúlio em 1954, os militares passaram a encarar Brizola como mais perigoso inimigo ao golpe que deram com apoio civil em 1964. Lula apareceu como líder sindical no ABC Paulista já no declínio daquela nossa última ditadura, no final dos anos 1970. Unindo sindicatos de metalúrgicos, intelectuais da USP e a esquerda católica, a criação do PT só foi permitida como estratégia arquitetada pelo general Golbery do Couto e Silva para rachar o trabalhismo brasileiro, quando Brizola voltasse do exílio com a Anistia. Ao perceber que os militares lhe fechariam as portas do PTB, legenda histórica de Getúlio, Brizola fundou o seu PDT ainda em Portugal, em 17 de junho de 1979. A Anistia foi promulgada pelo general-presidente João Figueiredo em 28 de agosto de 1979. Na sequência, o PT foi criado em 10 de fevereiro de 1980. Fruto desses arranjos, quando saiu a eleição direta a presidente em 1989, a primeira no Brasil desde 1960, o que aconteceu? Fenômeno eleitoral semelhante a Bolsonaro, Fernando Collor foi em primeiro lugar ao segundo turno. A outra vaga foi disputada voto a voto entre Brizola e Lula. Este venceu, mas perdeu para Collor no final. Golbery tinha falecido dois anos antes, em 1987. Mestre da geopolítica, mesmo morto, sua estratégia de “dividir para conquistar” venceu a esquerda. Outra herança dos militares, a hiperinflação destruiu a economia do país até o Plano Real, em 1994. A partir do seu sucesso, Fernando Henrique Cardoso se elegeu duas vezes presidente no primeiro turno, dando coças eleitorais em Lula e Brizola. Mais novo, Lula teve chance de se reinventar. Abandonou a postura do radical de 89 e adotou a figura do “Lulinha Paz e Amor”, criada pelo publicitário Duda Mendonça. Ao chegar ao poder em 2002, teve a sabedoria de manter o Real, contra o qual o PT tinha votado, e o tripé econômico de FHC: câmbio flutuante, meta de inflação e meta fiscal. Lula também deu a sorte de governar o Brasil em um período de transição na economia global, onde a China substituiu os EUA como nosso maior parceiro comercial, e o preço das commodities explodiu no mercado internacional. O mundo conhecia então a força dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Foi nessa onda que Lula surfou com habilidade política, conseguiu superar a revelação do Mensalão em 2005 e se reelegeu em 2006. Aí veio o estouro da bolha imobiliária dos EUA em 2008, que abriria o avanço da direita pelo mundo. Como nos anos 1930, quando a Grande Depressão de 29 propiciou o avanço do nazifascismo. Além de chamar a crise de “marolinha”, o maior erro de Lula veio em 2010, quando ungiu Dilma Rousseff como sua sucessora. Ao abandonar o tripé do Real e apostar na “nova matriz econômica”, ela enfiou o Brasil na maior recessão da sua história. Ainda assim, Dilma se rebelou contra sua condição de “poste”, impediu Lula de voltar em 2014, bateu pé e se reelegeu mediante estelionato eleitoral. Quando este se revelou, junto ao agravamento da crise econômica e a corrupção sistêmica eviscerada pela Laja Jato, a população tomou as ruas do país em 2015 e 2016, forçando o Congresso a aprovar seu impeachment. Isso, mais a prisão de Lula em abril de 2018, geraram ressentimento ao PT e sua regressão ao radicalismo. Ele se refletiu em um programa de governo que propunha controlar imprensa, Ministério Público, Judiciário e Tribunais de Contas, além de uma nova Constituinte. Só esta última foi suprimida no segundo turno, mas já era tarde demais para furar o tsunami do antipetismo surfado por Bolsonaro. É uma onda tão passional quanto a esquerda que a gerou. Se alguém explosivo como Ciro Gomes foi nossa alternativa mais viável de equilíbrio no primeiro turno, isso evidencia o quão radicalizada está a sociedade. A esquerda brasileira não desapareceu. Nem deveria, pois é necessária ao equilíbrio da democracia. A esquerda só precisa se libertar desse seu fetiche masoquista pelo lulopetismo, que a consome há pelo menos cinco anos. E não falo isso por prazer. Tive a sorte de fazer entrevistas exclusivas com Brizola e Lula. Foram os dois indivíduos mais carismáticos que conheci pessoalmente. Quando acabei de entrevistar Brizola, no seu apartamento à beira mar em Copacabana, lembro que nos levantamos das poltronas da sala e me espantei ao perceber, um diante do outro, que sua cabeça batia pouco acima do meu ombro. Pensei: “como posso ser maior que esse homem?”. Ainda assim o brizolismo ficou para trás. Só não vê quem não quer: venceu a validade do lulismo. As coisas findam. É da vida.
 
 
3 - Aluysio Abreu, acredita que o presidente eleito terá chance de pôr em prática aquilo que acredita e defende; ou veremos o Congresso se opondo a tudo o que for proposto, mesmo que benéfico para o País?
 
 
R: Sua pergunta parte do pressuposto que tudo que Bolsonaro acredita e defende será benéfico ao país e não poderia sofrer oposição do Congresso. Se for, volto a repetir: elegeram o Messias errado. Mesmo derrotado no segundo turno presidencial, o PT fez a maior bancada na Câmara Federal. Isso tem que ser tão respeitado quanto a vitória de Bolsonaro a presidente. É o sistema de pesos e contrapesos do estado democrático de direito. Só ele impedirá que tenhamos um novo ditador no Brasil, como foram Getúlio e depois os militares que o levaram ao suicídio. Após ter aceito o convite para ser ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro disse publicamente ser contra o excludente de ilicitude, que visa autorizar as polícias a matarem sem consequências penais, além da criminalização do MST. Pelo visto, antes de enviarem ao Congresso, os dois principais nomes do governo eleito terão que se acertar sobre o que é benéfico ou não ao país.
 
 
4 - Aluysio Abreu, há 30 anos estávamos sofrendo essa infiltração esquerdista radical e silenciosa em todos os setores e níveis da sociedade e dos poderes da união. Isso é claramente um movimento de golpe e tomada de poder sem armas, segundo Gramsci. Sendo assim, o impedimento da presidente Dilma foi um contragolpe?
 
 
R: Com todo o respeito, sua primeira afirmação reflete a ideação persecutória propagada por gente como Olavo de Carvalho, que agora se oferece como embaixador do Brasil nos EUA. Não nego que nas artes, na academia e até na imprensa a esquerda tenha mais influência do que a direita. Mas isso talvez seja por um motivo mais simples do que o conceito de “revolução passiva” de Gramsci: embora haja honrosas exceções à direita, como o próprio Olavão, a verdade é que as pessoas de esquerda geralmente leem mais. Falo, logicamente, em leitura que exceda o WhatsApp e o Facebook. Verdade que isso não impediu que muita gente de esquerda no Brasil, após a Lava Jato, mergulhasse de cabeça no processo de negação da realidade definido por Freud: “Se um paciente inteligente rejeita uma sugestão de forma irracional, então a sua lógica imperfeita é evidência da existência de um forte motivo para a sua rejeição”. O mesmo pode ser aplicado à “lógica imperfeita” da sua pergunta: Dilma foi eleita e reeleita pelo voto popular. Se ela foi deposta por qualquer suposto motivo gramsciano, mas não previsto na Constituição, não seria contragolpe. Teria sido só golpe mesmo, como ainda alegam os lulopetistas freudianos.
 
 
5 - Aluysio Abreu, nosso sistema eleitoral desde as urnas eletrônicas são motivo de eterna desconfiança quanto a fraudes; principalmente por ser impossível recontagem de votos e existir possibilidade de inserção de dados fraudulentos, como provado pela engenharia da USP. Devemos exigir voto impresso, com depósito nas urnas, além do eletrônico?
 
 
R: Há estudos da USP e da Unicamp que realmente apontam essa possibilidade técnica. Bolsonaro era o porta-bandeira dessa desconfiança com as urnas eletrônicas. Como, mesmo assim, ganhou a eleição com mais de 10 milhões de votos de diferença, terá a melhor oportunidade do mundo para propor todas suas sugestões de mudança no sistema de votação à Justiça Eleitoral. Se não o fizer será porque, depois de ganhar, ele deixou de desconfiar.
 
 
6 - Aluysio Abreu, a retomada da prática de poucos ministérios diminuindo gastos públicos é um sinal positivo de retorno da boa política?
 
 
R: O inchaço estatal como cabide de emprego é uma característica não só do PT, ou da esquerda brasileira. Emmanuel Macron tem sofrido muita resistência por tentar enxugar a máquina pública da França. Acho que mais do qualquer suposto motivo gramsciano, é apego dos burocratas à burocracia, à velha noção de trabalhar menos, com estabilidade, menor cobrança, melhores salários e condições de aposentadoria. E acho que isso até independe do espectro político. Em Campos, por exemplo, quantos servidores serão a favor do ponto biométrico, quando o governo Rafael finalmente instalá-lo? Se for na sua área, então, amigo Marco, que é da saúde, a coisa fica ainda mais complicada. Virou moda falar em diminuir o tamanho do Estado, mas ninguém está disposto a perder o que julga seu direito, mesmo quando sobre o direito alheio. Por isso a reforma da Previdência até hoje não saiu. Mais importante do que ter um ministério em determinada área, é ter um governo atuante nela, sensível às possibilidades de parceria com a sociedade e a iniciativa privada. Embora existam áreas onde a presença do Estado seja essencial. Se, como chegou a propor Amoêdo, privatizassem a Caixa Econômica e o Banco do Brasil, quem financiaria programas sociais importantes como Minha Casa, Minha Vida, Fies, Pronaf, Peti e Bolsa-Família? Banqueiro?
 
 
7 - Aluysio Abreu, qual a sua opinião sobre a resistência que está sendo proclamada pela vice na chapa de Haddad, Manuela D`Ávila antes de Bolsonaro assumir presidência?
 
 
R: A chapa entre Haddad e Manuela foi uma das tantas causas da vitória de Bolsonaro. Nunca uma chapa puro-sangue de esquerda ganhou eleição a presidente no Brasil. Nem com Lula e Brizola juntos, em 1998. Manuela é uma bilolada de esquerda, capaz de gravar um vídeo dizendo que o iPhone foi inventado na extinta União Soviética. Ela só foi vice pelo mesmo motivo do general Mourão: dar teflon ao cabeça da chapa contra qualquer tentativa de impeachment. Afinal, alguém em sã consciência iria querer Manu ou Mourão governando o país? Mas, respondendo à sua pergunta, o “se fere minha existência, eu serei resistência” é só mais um bordão da esquerda brasileira, que precisa urgentemente se reinventar além deles. Em 2013 e 14, foi o “Não vai ter Copa”. Aí teve Copa e 7 a 1. Em 2015 e 16, foi o “Não vai ter golpe”. E Dilma sofreu impeachment. Em 2016 e 17, foi o “Fora Temer”. E, eleito na chapa do PT, Temer continuou. Em 2018, foi o “Lula livre”. E o Cid Gomes, irmão do Ciro, respondeu aos aliados petistas: “o Lula tá preso, babaca!”. O último bordão fracassado da esquerda foi o “Ele não!”, cujo fim prático foi ajudar a eleger Bolsonaro presidente. O capitão não precisa de oposição prévia: já tem os filhos. Considerado um homem frio, como será que o Moro reagiu quando se viu publicamente comparado por Eduardo “Zero Três” ao coronel Ustra, único militar condenado como torturador pela Justiça do Brasil?

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    Marco Barcelos

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