Impressões do futuro governo Bolsonaro e os repetitivos erros da esquerda
04/11/2018 11:08 - Atualizado em 04/11/2018 11:09
Presidente eleito, Jair Bolsonaro
Presidente eleito, Jair Bolsonaro / Tânia Rego-Agência Brasil
Primeiros sinais
A maior parte dos eleitores escolheu de forma democrática, no último domingo, Jair Bolsonaro (PSL) para ser o presidente da República. Noves fora a posição partidária de cada um, é válido o decidido pela maioria. A última semana foi a dos primeiros sinais do próximo governo. O “posto Ipiranga” Paulo Guedes foi confirmado no superministério da Economia, que vai unir as funções que são desempenhadas por três pastas: Fazenda; Planejamento, Orçamento e Gestão; e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Também não surpreenderam as indicações do deputado Onyx Lorenzoni — que está à frente da equipe de transição — para a Casa Civil e do general da reserva Augusto Heleno para a Defesa. O astronauta Marcos Pontes na Ciência e Tecnologia era pedra cantada desde antes da campanha e já foi confirmado no primeiro escalão. O que mais surpreendeu e causou reações, até mesmo no mercado, foi a indicação do juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato em primeira instância, para o superministério da Justiça.
Na verdade, nem foi a indicação que surpreendeu. O que causou rebuliço foi Moro aceitar o convite, na última quinta-feira, abandonando 22 anos de magistratura. Não é de hoje que o PT acusa o juiz da 13ª vara federal de atuação política e imparcial na operação considerada a maior de combate à corrupção do mundo. Moro condenou em primeira instância o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do famoso triplex do Guarujá, abrindo caminho para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) julgá-lo e, consequentemente, executar a ordem de prisão e, mais que isso, tirando de vez as chances do então líder nas pesquisas disputar qualquer cargo.
Não é que Moro não pudesse ter condenado Lula. Ele julgou um processo como teria de ser feito com qualquer outro cidadão brasileiro acusado de um crime, independente da posição social ou influência política. Para muita gente, o TRF-4 agiu “rápido demais” no caso Lula. Mas essa é a mesma gente que pede celeridade da Justiça.
Fato é que Moro se tornou um personagem conhecido do grande público. A imprensa e a população, de maneira geral, fizeram dele o protagonista da Lava Jato. Mais que isso, fizeram do Moro a imagem que representa a operação. Exposto dessa forma, com status de celebridade, passou a ter muitos fãs e, também, claro, muitos críticos. O discurso petista da perseguição ganha força, sem sombra de dúvidas, com a decisão do juiz de ir para o governo Bolsonaro. Moro poderia continuar atuando em Curitiba até surgir uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), cadeira que possivelmente ganhará mesmo sendo da cúpula de Bolsonaro. Mas foi seduzido pelo “canto da sereia” e vai comandar um ministério independente.
Por essa “independência”, Moro passa a ser chamado de político, mesmo atuando em uma pasta técnica. A esquerda, em especial o PT, endossa o discurso de perseguição, lembra a divulgação de uma conversa grampeada entre Lula e Dilma Rousseff (PT), então presidente da República, e que acabou impedindo a nomeação do ex-presidente para a Casa Civil. Assim como o fato de tornar pública, na semana do primeiro turno, a delação do ex-ministro Antonio Palocci — o que reascendeu as críticas aos petistas e, consequentemente, desgastou o candidato do partido ao Planalto neste ano, Fernando Haddad.
Questões políticas de lado, muita gente aprovou a indicação do Moro, sobretudo pela questão da independência apalavrada por Bolsonaro, além do fato de o juiz agora poder indicar o diretor-geral da Polícia Federal. Não é que político não tenha palavra, mas no chamado presidencialismo de coalizão brasileiro, ninguém governa sem o parlamento. E tem muito parlamentar da “velha política” no Congresso. Enquanto Bolsonaro tiver ampla maioria, possivelmente haverá independência no trabalho do Moro. Porém, quando não houver maioria e o presidente tiver de negociar com “velhas raposas”, a cabeça do juiz pode ser colocada a prêmio.
Fora as impressões populares, quem recebeu Moro muito bem foi o todo poderoso, e muitas vezes nervoso, mercado. O dólar caiu e o Ibovespa, principal índice acionário do país, teve alta histórica com a indicação do nome do juiz como ministro, além da perspectiva de reformas que devem ser propostas pelo governo Bolsonaro. Ainda existem muitas dúvidas, sobretudo na fusão, ou não, da pastas de Agricultura e Meio Ambiente, mas as primeiras impressões são de um governo que sabe articular bem e começa a ter retorno positivo na economia, fator extremamente importante para governabilidade.
Por outro lado, parte da esquerda parece que não entendeu o recado das urnas. Ao invés de se reinventar, pensar em como ser uma oposição aguerrida, mas embasada, a um governo que chega com propostas tão distintas, quer forçar um “terceiro turno” nas ruas. Não deu certo com o “EleNão” — que, aliás, fez crescer o percentual de mulheres que votaram em Bolsonaro no primeiro turno —, e é está muito claro que não dará certo ser “resistência”. O momento exige estratégia. E foi por não ser estrategista que a esquerda perdeu a eleição, entregando de bandeja o comando do país a Bolsonaro. No Brasil de hoje, o que está mais perto de resistência é o nome do futuro ministro da Casa Civil, que, como disse Renan Calheiros (MDB): “parece nome de chuveiro”. Não vai ser com barulho nas ruas, antes mesmo de o governo começar, que a esquerda vai virar o jogo. É preciso repensar.
*Publicado neste domingo (4) na Folha da Manhã
 
 

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    Arnaldo Neto

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