Que boca!
- Atualizado em 09/08/2018 09:46
Que boca!
Cândida Albernaz
- Benza Deus!
- O que foi agora, Célia?
- Sabe aquele sobrinho do meu marido que falei com a senhora na semana passada?
- O que batia na mulher?
- Não, esse é outro e ainda vai ter o castigo que merece.
- Não estou lembrando.
- O Nando, que entrou lá em casa e roubou o que sobrou do salário que a senhora me pagou e ainda levou o celular.
- Ah...
- Pois é, só descobri que foi ele porque o dono de um bar que tem perto de casa veio falar comigo que ele estava vendendo um celular e o nome que aparecia era Jocélia Pereira da Silva.
- Você colocou seu nome completo na tela?
- E não foi bom? O menino é tão burro que não trocou.
- O que aconteceu com ele?
- Morreu.
- Como assim, morreu?
- E ninguém mandou matar, não. O que, aliás, com o tempo era o que aconteceria, porque esses garotos terminam assim. Com a cara enfiada numa vala qualquer.
- Morreu de quê?
- Um caminhão passou por cima. Estava numa bicicleta que não era dele, segurando uma bolsa de mulher, que também não era dele e com certeza tentando escapar de alguém.
- Coitado!
- Também fiquei com pena. Mas ao mesmo tempo foi um alívio.
- Por quê?
– O desgraçado, que Deus o guarde, me cercou na rua e quis dar na minha cara.
- ...
- Só porque falei que teria que devolver o dinheiro, já que o celular estava comigo. Ainda disse que ia dar parte dele na delegacia.
- Mas você não achou que seria melhor ter deixado isso de lado? Filho de seu cunhado e ainda por cima perigoso.
- Um moleque que ajudei a trocar a fralda.
- O moleque cresceu...
- Foi falta de coça naquele lombo dele.
- ...e virou bandido.
- Fui à casa do pai dele e falei poucas e boas. Não gostou e veio tirar satisfação. Disse que era para ficar longe da família dele.
- Talvez tivesse sido o correto. Com esses rapazes, o melhor é não se meter.
- O pior é que agora o irmão anda atrás de mim.
- E por quê, mulher?
- Fica dizendo que roguei praga e por isso o caçula morreu.
- Ele também se envolve com roubo?
- Não que eu saiba. O problema é que roguei mesmo. Um criançola daquele ameaçando bater em mim. Disse que um caminhão passaria na cabeça dele, porque ameaçou a tia. Disse que Deus ia castigar.
- Que boca, hein, Célia?
- Pois é. Agora toda a família fica me olhando de banda.
- Mas que culpa você teve?
- Aconteceu o que eu disse.
- Foi coincidência.
- Será? Estou até com medo. Semana passada avisei a meu marido que se ele não tomasse jeito e parasse de olhar para tudo que é mulher, acabaria ficando cego.
- Que bobagem, Célia.
- O homem está atrás de mim igual sarna, dizendo que começou a sentir dor nos olhos.
- Deve ser impressão dele.
- Só pode ser conjuntivite. E não foi apenas isso.
- Não?
- Falei também que de uma hora para outra, o “dito cujo” ia parar de funcionar, caso ele continuasse me traindo.
- E daí?
- O homem já broxou duas vezes seguidas.
- Benza Deus! Que boca!

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    Sobre o autor

    Candida Albernaz

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    Candida Albernaz escreve contos desde 2005, e com a necessidade de publicá-los nasceu o blog "Em cada canto um conto". Em 2012, iniciou com as "Frases nem tão soltas", que possuem um conceito mais pessoal. "Percebo ser infinita enquanto me tornando uma, duas ou muitas me transformo em cada personagem criado. Escrever me liberta".