Campos dos Goytacazes com183 Anos de Fundação e História Contada Pela Historiadora Silvia Paes Abrindo a Boca para Marco Barcelos
 
Professora Silvia Paes
Professora Silvia Paes
1- Professora Silvia Paes, Campos dos Goytacazes comemora 183 anos da sua fundação, com uma época Áurea da Cana de Açúcar até a queda das Usinas, e com a chegada da Petrobras e seus Royalties. Faça uma análise histórica até o dia de hoje?

Nossa riqueza econômica se inicia com a atividade da pecuária, ao contrario do restante do Brasil naquele momento - período colonial, quando acontece a descoberta das minas de ouro no sertão. Assim nossos campos que não podiam ser plantados por serem inundados, passaram a criar gado para abastecer a região das gerais. O cavalo para o transporte das pessoas, as mulas para transporte do ouro, o bovino para alimentação das populações que para lá foram. Também nesse momento não havia a necessidade de muita mão de obra, uma vez que o gado era criado solto. Assim os proprietários de terra se enriqueceram e puderam se debruçar sobre uma outra atividade agrícola, a do plantio da cana de açúcar, quando decaiu a produção nas gerais. Isso acontece por volta do fim do século XVIII início do XIX, época das engenhocas. Os campos estão um pouco mais drenados por canais e pela natureza, com capital os fazendeiros puderam investir na compra de mão de obra escravos para o trabalho na lavoura e na produção do açúcar. Terra e gado eles já tinham e ambas são à base da sustentação de uma indústria açucareira.
Depois das engenhocas, foi a vez dos engenhos, já em uma nova fase da industrialização com emprego de novas tecnologias, roda dentada, máquinas a vapor. A chegada das usinas acontece em 1888 com a inauguração da Usina do Queimado, mas já tínhamos outras na região, o Engenho Central de Quissamã, o de Barcelos e o do Limão, mas todos em outras estruturas. O Queimado foi a pioneira em maquinaria de ferragem inglesa. Esse período vai ser vitorioso e dominante até a primeira metade do século XX, quando por problemas do esgotamento do solo, a competição paulista e a falta de renovação por parte dos fazendeiros e produtores de açúcar e apesar dos constantes incentivos do governo em socorro dos senhores usineiros, a crise se instala e uma a uma as usinas, que já haviam somado mais de 37, vai fechando até se reduziram as duas do momento. Essa crise financeira na produção açucareira acaba por provocar uma crise social profunda, uma vez que coloca na rua, sem perspectivas de trabalho um número enorme de trabalhadores desprovidos de qualificações para outras modalidades de trabalho.
O petróleo, que já havia sido apontado em terra, em Boa Vista (baixada campista) impulsiona a pesquisa no mar, até que nos anos de 1970 é descoberta e após começa a ser explorada a Bacia Petrolífera de Campos. Uma nova fase econômica tem início, mas ela não abraça os trabalhadores oriundos da cana. Esse trabalho vai exigir trabalhadores com habilidades específicas, mas justamente por esse motivo universidades começam a chegar transformando a nossa cidade em um grande centro universitário com oferta de uma variedade de curso que hoje oferecem o ensino na modalidade presencial e a distância.


2- Professora Silvia Paes, como historiadora o que pode relatar sobre o nossos bravos Índios Goitacá, até sua extinção?

Nosso indígenas da Nação Goitacá não aparecem muito na literatura dos viajantes e cronistas e o que está nos livros dos memorialistas é uma repetição dos anteriores. Sabemos com certeza que eram altos, fortes, exímios nadadores e corredores nos campos. Os poucos sítios arqueológicos nos revelam que mantiveram contato com outros indígenas que aqui estavam como os Puri, os Coropó e os Coroados, uns que aqui chegaram trazidos pelos colonizadores, como se suspeita dos Coroados. Eles também construíram uma grande área de aldeamento, que poderia ter abrangido uma porção de terras compreendida entre hoje o Hospital Ferreira Machado e o Parque de Exposições da Pecuária, da beira do Rio Paraíba até os alagados construídos pelo antigo braço do Paraíba e que deixaram suas marcas sob o solo do atual Cemitério do Caju. Eles também confeccionaram utensílio domésticos de barro, urnas funerárias com argila e areia de rio dando uma beleza incomum as suas peças. Também sabemos por pinturas de viajantes que eles não usavam nenhum tipo de vestimenta, mas pintavam o corpo em riscas imitando o cipó imbé ou com círculos imitando a pela da onça pintada comum por aqui.
Não gosto da palavra extinção, uma vez que ela subentende o aniquilamento completo do Goitacá e na verdade não foi isso que aconteceu. Por serem indígenas bravios e conhecedores do seu território, eles também são difíceis de serem dominados ou escravizados ao trabalho. São muito, mas muito temidos por essa bravura em defesa do seu território e, portanto o colonizador vai "inventar" muitas formas de aniquilamento - o contágio de doenças, que matam; a permissão de casamentos com negros ou brancos, miscigenando; ou expulsando para outros territórios próximos. Temos notícias de lendas envolvendo uma goitacá em Penedo, região mais alta da Serra do Mar. Então em nossa genética certamente temos traços dos indígenas goitacá.

3- Muito se fala dos Índios Goitacá de matar o seu inimigo e comer sua carne e beber o seu sangue isso é verdade?
Pelo que consta da literatura sim, mas certamente não comiam seus inimigos por fome, dado a fartura de fauna e flora local. Esse era um ato ritualístico que fazia parte da guerra intertribal e depois com os europeus. Era uma honra ser canibalizado pelo inimigo, pois só eram consumidos, a carne e o sangue, dos grandes guerreiros, os mais bravos, os mais corajosos, na intenção de adquirirem esses valores.
Mas afinal não é isso que fazemos em nossas sericoias religiosas cristãs? Comemos dessa carne e bebemos desse vinho na intenção de adquirirmos as qualidades de Jesus Cristo simbolicamente. Somos, portanto os novos canibais.

4- Primeiro e único Afrodescendente a ter assumido a Presidência do Brasil, Nilo Peçanha tinha um lema "Paz e Amor". Criador da Escola de Aprendizes e Artífices que deu a origem ao Centro Federal de Educação e Tecnologia. Faça uma analogia da sua história com a Política atual?

Nilo Peçanha foi o primeiro afrodescendente a assumir a presidência desse país, mas não foi o único, tivemos pelo menos mais uns dois depois dele. Nilo foi vanguardista, com suas formas e atitudes conciliadores de fazer política. Teve por isso vários inimigos, que o viam como fraco ou indeciso, além de o desprestigiarem pela cor e por esse motivo Nilo foi o presidente, da velha república, mais achincalhado pela imprensa. Mas a isso ele respondia com Paz e Amor, não rebatendo as críticas e as encarando de frente. Nilo também, depois de ter sido presidente de província (governador do Estado do Rio de Janeiro), Senador, Deputado, Ministro das Relações Exteriores e Presidente da República (não nessa ordem) ele falece e sua esposa não tem dinheiro para comprar sua sepultura ou construir seu túmulo. Ela foi socorrida pela Maçonaria carioca que o enterra com pompa merecedora.
Hoje (apesar de tudo que estamos passando), alguns diriam que ele foi "burro", ou não foi esperto suficiente para se enriquecer. Os ideais e as ideias realmente não coadunam com a dos tempos vividos posteriormente, onde vemos toda a Nova República usufruir, sem nenhuma exceção de presidentes, dos cofres públicos.


5- Quem foi a valente Benta Pereira, que montava em seu cavalo e liderou uma luta armada pela liberdade de suas terras e pesados impostos?

5. Benta Pereira é um mito, mas um mito necessário. Foi uma pecuarista e proprietária de terras próximas a Lagoa de Cima. Usufruía, portanto de respeitabilidade e destaque na sociedade da época. Teve um filho vereador que vem a ser morto em um confronto na Câmara Municipal. O que deflaga a liderança da Benta foi a aprovação da Lei do vento que dizia que todo gado encontrado sem marca seria levado para as terras dos Donatários dos Assecas. Esse período corresponde ao primeiro momento da nossa economia, a da pecuária. A capitania era dominada pelos Viscondes de Asseca, nobres portugueses, eram eles os donatários. A Câmara Municipal com 4 ou 5 vereadores era dominada também pelos poderosos Assecas, que também cobrava caro pela marca, pois cada proprietária deveria ter a sua e tê-la em seu gado. Contudo os fazendeiros, não acostumados a esses hábitos o repudiaram, não cumprindo a marcação. Daí a Lei imposta. Assim se inicia a liderança da Benta junto aos demais fazendeiros. A luta deles foi pelas suas riquezas. 
Pelo que consta a maioria da população local não sabia ler ou escrever, portanto não sabiam nada ou pouco sabiam das questões da metrópole portuguesa e suas ideias de colonização. Então a Benta na verdade atirou no que viu - foi contra a Lei do vento para proteger sua riqueza, mas acabou acertando no que não viu - a libertação da capitania do julgo dos Assecas, o retorno desta para a Corôa Portuguesa e posteriormente sendo devolvida a população.

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    Marco Barcelos

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