Ponto Final: Tragédia do palco à vida real
29/11/2017 09:52 - Atualizado em 04/12/2017 16:45
Tragédias
Marco da dramaturgia ocidental, em “Hamlet”, de Shakespeare, o rei Cláudio adverte sobre o protagonista da peça, de quem é tio e padrasto: “A loucura dos grandes deve ser vigiada”. Do palco elisabetano à tragédia real fluminense, o exame do Instituto Médico Legal (IML) divulgado ontem atestou lesões em Anthony Garotinho (PR). Mas, até por impossibilidade, não as agressões que ele disse ter sofrido de um homem misterioso, numa cela de Benfica, na madrugada da última sexta (24). Nela, o ex-governador estava sozinho, numa galeria composta por outras nove celas vazias e monitorada por câmeras de vídeo que nada registraram.
Bicho papão?
Difícil saber se os responsáveis pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) leem Shakespeare. Mas desde sua nova “denúncia”, Garotinho foi transferido para Bangu 8, numa cela internamente monitorada 24h. Hoje, a Polícia Técnica vai periciar a antiga cela do político da Lapa em Benfica, da qual ele se recusara a sair ao banho de sol, na quinta (23), para evitar encontrar cara a cara com outro ex-governador: Sérgio Cabral (PMDB). Também hoje, Garotinho vai poder fazer o retrato falado do seu suposto agressor, já descrito pelo cineasta e jornalista Arnaldo Jabor: “o bicho papão que foi pegá-lo na cadeia com um porrete na mão”.
Até tu, Gilmar?
Enquanto isso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ontem determinou que o ministro Jorge Mussi seja o relator dos casos da operação “Caixa d’Água”, derivada das delações da Lava Jato, que gerou a prisão do casal Garotinho. Após indicação dada na segunda (27), de que o relator do caso seria o ministro Tarcisio Vieira, ex-advogado de Rosinha em sua cassação da Prefeitura de Campos de setembro de 2011, a mudança não aparenta ser favorável a quem aposta no Habeas Corpus (HC). Sobretudo quando observado que foi uma decisão do ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, que não é conhecido pelo rigor da lei com políticos presos.
E se?
A mudança no TSE pode não significar nada. Mas seria mais compreensível se, por exemplo, os outros cinco empreiteiros de Campos que teriam participado da reunião com Garotinho, em setembro de 2014, denunciada pelo empresário André Luiz da Silva Rodrigues, o “Deca”, resolvessem também confirmar à Justiça a versão de que o ex-governador teria exigido, de cada um deles, a quantia de R$ 1 milhão para sua fracassada campanha ao Palácio Guanabara. Coincidência ou não, há quem aponte essa derrota estadual, num 2014 que Campos teve R$ 2,5 bilhões de orçamento, como o começo da derrocada financeira de Campos.
Modesto exemplo
Segundo a denúncia (por enquanto) solitária de Deca, além da “contribuição” eleitoral de 2014, a cobrança de 10% do valor de cada obra no governo Rosinha era feita aos empreiteiros que atuavam na cidade pelo policial civil aposentado Antonio Carlos Ribeiro da Silva, o “Toninho”. Também preso na última quarta-feira (22), ele é apontado como “braço armado” do suposto esquema dos Garotinho, cujo prejuízo ao município ainda não foi calculado. Como modesta referência de valores, Toninho é sócio de uma das empreiteiras que construíram a “Cidade da Criança” ao custo de R$ 17 milhões aos cofres públicos de Campos.
Sem regozijo
Certo de que, num estado de direito, todos são inocentes até que se prove em contrário. Assim como, pela moral que deveria se antecipar à lei, é condenável qualquer regozijo pessoal com a nota de ontem na coluna de Ancelmo Gois, em O Globo: “Rosinha Garotinho, que divide cela com Adriana Ancelmo e outras presas, também não vem se alimentando direito. Passa parte do tempo encoberta por um lençol branco”. Mas, antes de melhorar, a pressão poderia piorar se, por exemplo, o empresário Fernando Trabach Gomes, dono “fantasma” da GAP, também resolvesse falar o que sabe, após ter voltado à cadeia na última sexta (24).
Dos grandes
“Anthony Garotinho é o político mais importante da história de Campos desde o ex-presidente Nilo Peçanha (1867/1924)”. Esta foi a abertura desta coluna em 6 de outubro de 2014, dia seguinte ao político da Lapa ser barrado no primeiro turno da eleição a governador. A mesma na qual ele teria tentado achacar empreiteiros, gerando três anos depois a sua prisão e da esposa. Ainda sem saber da denúncia, aquele “Ponto Final” indagava desde o título: “Qual o tamanho de Garotinho?”. Classificado como grande, Hamlet apenas simulou sua loucura. Mas, ao final da peça, Shakespeare atentou à afirmação de Sêneca: “Se um homem grande cair, mesmo após a queda, ele continua grande”. Do teatro à vida real, a ver.
José Renato

ÚLTIMAS NOTÍCIAS