Estaleiros artesanais sobrevivem em São João da Barra
Jéssica Felipe 03/11/2017 10:22 - Atualizado em 06/11/2017 13:56
Tradição de construção contínua
Tradição de construção contínua / Paulo Pinheiro
Uma embarcação com o nome “São João e Almas”, que fazia o trajeto Atafona a Gargaú pelas águas do rio Paraíba do Sul em 1740. Esse foi o ponto de partida para a construção naval artesanal de São João da Barra, uma atividade que vem resistindo ao tempo e aos atrativos empregatícios do Porto do Açu. Atualmente, em Atafona, existem seis estaleiros, que juntos produzem em média sete embarcações por ano. Mas, segundo os trabalhadores, os números já foram maiores. Para o museólogo sanjoanense André Pinto, o questionamento é se o mercado off-shore do petróleo enfraquecerá as tradições da construção naval artesanal, passadas de geração à geração.
Segundo o historiador sanjoanense, Fernando Lobato, os primeiros barcos da região, foram construídos no século XVIII. “Tivemos diversos estaleiros gigantescos, fundamentais no período da navegação. Estes construíam e conservavam os navios. Eram cerca de 90 por ano, entrando e saindo na barra”, conta o professor complementando que após a decadência do setor, a atividade manteve-se como produção secundária, mas de suma importância para muitas famílias e para a manutenção da pesca local. “Os barcos que ainda hoje circulam por aqui saem dos nossos estaleiros”, reforça Lobato.
No ano de 2011, o até então, Complexo Industrial do Porto do Açu, iniciou as obras da Unidade de Construção Naval (UCN), que previa se tornar o maior estaleiro das Américas. O empreendimento teve um orçamento estimado em R$ 3 bilhões e entrega pautada para 2014. André Pinto conta que, nesse período, muitos trabalhadores da construção naval artesanal da região foram “assediados” a trabalhar no empreendimento, principalmente nas fabricações de grandes “peças” de navios para o mercado off-shore e deixaram no esquecimento as tradições da construção artesanal, passada de geração em geração.
- A verdade, é que o estaleiro da OSX (responsável pelo empreendimento na época), propiciou uma oportunidade ímpar na geração de renda desse pessoal trabalhador, que conhece, mesmo que de forma autodidata, a construção naval local, uma mão-de-obra muito importante para os empreendedores - acrescentou André.
Tombamento como forma de preservação
A questão da construção naval sanjoanense envolve aspectos culturais, e vem levantando sugestões por parte de militantes e estudiosos da área, entre elas, o tombamento patrimonial da atividade e a elaboração do Museu da Construção Naval Artesanal Sanjoanense. Para o museólogo, André Pinto, a ideia seria criar a “Vila Naval”. Para ele, tal investimento agregaria valor turístico aos artificies e à própria comunidade. “Fazer mais um produto turístico e reforçar o resgate e memória local”, completa.
André Pinto reforça que o assunto já foi muito debatido no Conselho Municipal de Cultura, “mas, infelizmente o município não conta com um setor patrimonial para tais iniciativas”, afirma.
A prefeitura informou, que com a implantação do Campus Avançado do Instituto Federal Fluminense em SJB, o município passou a ser o primeiro município do estado a ter um curso técnico voltado à construção naval. O objetivo deste, “é formar profissionais não somente para o trabalho no Porto do Açu, mas também para o processo de construção naval artesanal de embarcações de pequeno e médio porte”.
  • Tradição há mais de 60 anos

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A nostalgia de quem viveu tempos áureos
Gilmar Lopes, 51 anos, é natural de SJB e proprietário de um dos estaleiros mais antigos de Atafona, o Estaleiro dos Navegantes, localizado na Baixada. Ele conta que na história de sua vida, a arte de fazer barcos é uma tradição, iniciada há mais de 60 anos. “Antigamente, na época do meu avô, eram feitos de 20 a 30 barcos por ano. Hoje, não dá para viver só com isso. Eu mesmo faço outros serviços, como solda para empresas do Porto”, coloca o artesão.
Para ele, a atividade é um marco na história do município, mas não acredita na permanência da mesma. “Hoje, os filhos já não querem mais seguir, como foi na minha época. Meu pai tinha quatro filhos homens, e nós tivemos que dar continuidade. Eu fico muito triste”, coloca Gilmar sobre a possibilidade de extinção da atividade. Quando perguntado sobre possíveis soluções, ele responde que, “mais investimento e menos burocracia para acessar os programas da classe pesqueira”, seria um bom começo.

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