Como contar a própria morte sem ter morrido
20/10/2017 20:23 - Atualizado em 22/10/2017 04:11
Ele trabalhou em O Globo por muitos anos e em vários outros grandes veículos como O Fluminense e a Folha da Manhã. Ontem, virou notícia sem ser fato, morreu sem ter morrido e bem-humorado como sempre, narra o acontecido-que-não-aconteceu:
MINHA MORTE
Por Paulo Freitas
Ontem (19/10, véspera de meu aniversário oficial), eu morri, recebi homenagens e não fui enterrado nem entregue no CCM da UFF, como é meu desejo.
Uma emissora de rádio de Campos/RJ noticiou às 6h da manhã que eu havia falecido em Niterói. Pior: a rádio é dirigida por meu filho André, conferindo tal legitimidade e não restando dúvidas quanto ao óbito.
Que maravilha as redes sociais, onde um morto pode dizer que está, vivinho da Silva (frase do colega Direnna)!
Minha irmã Neuza, que ouvia a rádio, entrou em desespero e aos prantos foi desesperando os demais, contando para todos e recebendo sentidas condolências. Funerárias do Rio e Niterói chegaram a receber pedidos de flores para meu enterro.
Colegas do Globo ligam pra minha casa querendo dados para uma notinha num cantinho qualquer.
Fisicamente eu não morri.
Mas a mentira ganhou maior dimensão. Alguém postou no Facebook e o restrito ao universo de Campos dos Goitacáz ganhou mundo. Tenho milhares de seguidores nas redes sociais. Amigos dos Estados Unidos, parentes e amigos da Europa, manifestaram-se na minha página, com sinceras homenagens, lembranças e tudo mais.
O estrago foi grande. Mas tão grande que por um instante minha mulher duvidou que eu não tivesse morrido mesmo, que escondiam dela e passou a aceitar os pêsames numa boa.
E eu (tadinho de mim!) estava numa sessão de hemodiálise, com o telefone desligado, para dormir até acabar. Só religuei o aparelho ao meio-dia, quando meu filho André me fez sabedor que eu morri.
Tive muita pena dele, coitado. Em ultima análise, como diretor da emissora, é o responsável por tudo que lá sucede... E virou avestruz. Atuei para que entendesse que as barrigas podem acontecer.. ainda mais no rádio.
No meu tempo de repórter, vi Chacrinha, Pelé e Garrincha morrerem muitas vezes; fui a dois enterros de Brizola e Luiz Gonzagão. Sou cascudo nisso, não noticio morte sem confirmar, estupro e suicídio. Jamais.
Teve um lado positivo: sou a única pessoa em vida física ficou sabendo antecipadamente como repercutirá minha morte nessa encarnação...
Levei um tempão apagando isso na minha página (pode ser que tenha mais).
O restante do dia passei tranquilizando parentes e amigos movidos por pensamentos horríveis contra o radialista.
Uma coisa é fato: ninguém dá o que não tem. Responsabilidade com a ciência da comunicação é para poucos.
Vou descansar em paz! A vida continua.

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    Nino Bellieny

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