Academia e os seis meses de Rafael
Aluysio Abreu Barbosa 02/07/2017 11:17 - Atualizado em 02/07/2017 11:50
Passados os seis primeiros meses do governo Rafael Diniz (PPS), como ele é visto pelas ruas e meio acadêmico de Campos, transformado em polo universitário da região? Numa enquete sem nenhum critério científico, mas cuja equidade de buscou entre o Boulevard Francisco de Paula Carneiro, no coração da cidade, a av. Pelinca e Guarus, a população pareceu dividida, como mostram as análises populares publicadas na página seguinte e na capa desta edição. Alguns têm mais paciência, outros menos. Mas, apesar das cobranças, todos parecem cientes do quadro falimentar em que o novo prefeito e sua equipe pegaram a cidade, após os oito anos da gestão Rosinha Garotinho (PR). Dessa apreensão do cidadão comum à ótica das ciências humanas, o que os historiadores, cientistas políticos, sociólogos e antropólogos das universidades públicas e privadas do município pensam do novo governo?
Considerado um dos maiores intelectuais da cidade e um dos primeiros a se opor publicamente aos métodos populistas, eticamente questionáveis e de irresponsabilidade financeira do garotismo, o historiador, ambientalista e professor aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) de Campos, Aristides Soffiati, apontou o “saneamento financeiro” como meta da administração Rafael, de quem cobra “ações estruturais”:
— Durante a campanha de 2016, Rafael apresentou um ambicioso programa de governo. Tendo vencido a eleição em primeiro turno, ele se deparou com um quadro desolador numa Prefeitura mergulhada em profunda crise econômica. A prioridade de seu governo passou a ser o saneamento financeiro. E ele iniciou sua gestão quase em silêncio. Nos seis meses do seu governo, foi necessário suspender os programas sociais então vigentes. Agora, porém, vejo sinais de ação. Ainda não são ações estruturais, mas que devem ser feitas, como a limpeza de canais. Mas o fundamental é a saúde financeira para a reformulação e a retomada dos programas sociais. Espero a montagem de infraestruturas em economia, sociedade, cultura e ambiente. Ainda não se pode prescindir de uma biblioteca pública. É preciso manter o Museu e o Arquivo. Mas são ações eventuais. O que fica e marca um governo são as ações estruturais. Creio que elas devem ser implementadas por Rafael.
Citada por Soffiati como necessidade, o corte e readequação de em alguns programas sociais municipais foram alvos de críticas de outros setores da academia. Foi o caso de Fabrício Maciel, sociólogo e professor da UFF-Campos:
— A interrupção dos serviços do Restaurante Popular e o aumento do preço da passagem de ônibus são o resultado de decisões muito problemáticas. Uma parte muito carente da população foi seriamente afetada e deixada sem alternativas por tempo indeterminado. Não podemos ficar insensíveis e fingir que não vemos. Não é um problema de gestão, é um problema político. Depende de orientações ideológicas de esquerda. A Prefeitura possui um programa de “renda mínima” de um salário mínimo que atendeu, em abril, a apenas 104 famílias, totalizando o valor de R$ 97.448,00. Esta informação está no “Portal da Transparência”, no site da Prefeitura. Isso é quase nada diante de nossa receita mensal e do tamanho da população. Os programas sociais são legítimos no Estado democrático de direito. Não deveriam ser um tabu e motivo de polêmicas.
A priorização dos programas sociais também foi defendida pelo antropólogo Carlos Abraão Moura Valpassos, professor da UFF:
— Herdeiro de uma miríade de mazelas, o governo Rafael Diniz passou os seis primeiros meses buscando entender e organizar a Prefeitura. Na tentativa de promover uma suposta tecnocracia, por vezes questionável, o governo não rompeu com as práticas pretéritas, encarnadas não apenas na administração pública, mas também na própria população. O “questionamento” dos programas sociais apaga a herança da gestão anterior no que ela tinha de ruim, mas é preciso ter cuidado para não jogar fora o bebê com a água suja do banho, pois foram justamente tais programas que ampararam a população mais vulnerável da cidade. Em seis meses de governo, o prefeito se viu embrulhado nas péssimas heranças do passado, tentando administrar o presente com movimentos limitados por um “futuro vendido”. Enquanto isso, a tecnocracia da gestão atingiu diretamente os programas sociais que contemplavam a parcela mais vulnerável da população.
Historiadora e professora aposentada do Instituto Federal Fluminense (IFF), Guiomar Vadez cobrou a promessa do “novo” feita nas eleições municipais por seu vencedor inconteste:
— A chegada de Rafael Diniz à Prefeitura foi marcada por dois aspectos simbólicos no ideário dos munícipes: “virada de página” no “populismo garoto-coronelístico” e a expectativa “do novo” imediato, na resolução de todos os problemas. Há que se destacar com responsabilidade, que existe um “tempo próprio” para que o “proclamado seja realizado”, atendendo, ou, não, as expectativas do ideário. Seis meses de gestão, é um tempo de avaliação ainda ‘não seguro’ e responsável. Especialmente se considerarmos a profundidade da crise sistêmica que assola todas as escalas. O primeiro semestre de gestão aponta sinais de fragilidade, dispersão e fragmentação, sem a robustez simbólica e efetiva necessária “ao novo”. Essa será a tônica? Não torço para isso! O tempo ainda está a seu favor, aproveite!
Sociólogo e professor da Universidade Estadual no Norte Fluminense (Uenf) Darcy Ribeiro, Roberto Dutra Torres Junior, também analisou as expectativas geradas na eleição de Rafael, cujo governo deseja ver avançar à etapa das preliminares, apesar de identificar nele um “enorme salto de qualidade”:
— A vitória avassaladora do prefeito em primeiro turno gerou grandes e difusas expectativas sobre seu governo. Constrangido fortemente pela grave situação fiscal do município, o grande desafio político do novo governo tem sido o de calibrar, filtrar e especificar as expectativas geradas. Apesar da perda de popularidade, normal e esperada em contexto de escassez, houve grande compreensão e aceitação de que o governo precisa de um ano para arrumar a casa. Ajuste fiscal e combate à corrupção são duas agendas indispensáveis. Em apenas seis meses de governo, é enorme o salto de qualidade nestas duas agendas. No entanto, elas são apenas preliminares de um bom governo. O problema geral do governo Rafael Diniz é ter saído muito pouco das preliminares. Falta ao centro do governo capacidade política para organizar o discurso e unificar o conjunto da obra em um roteiro político que faça sentido para a maioria que o elegeu. É preciso que o governo ofereça um rumo além das preliminares.
As questões nacional e estadual também foram transplantadas na análise do quadro local. Cientista político e professor da UFF, Márcio Malta foi bastante crítico à nova gestão municipal:
— A eleição do prefeito Rafael Diniz foi cercada de expectativas. A sociedade civil apostou que sua chegada ao poder poderia ser uma mudança de rumos na gestão da cidade. Porém, o que se observa nos seis primeiros meses é mais do mesmo. Ou pior. Houve uma série de quebras de promessas de campanhas. Ao dobrar o preço da passagem e fechar o Restaurante Popular o governante atinge os setores mais vulneráveis de Campos dos Goytacazes, comprometendo o direito de ir e vir e o direito fundamental da alimentação. Além disso, se cercou em seu secretariado de indicações pessoais com critério de amizade e não por saber técnico. O prefeito compõe a base aliada do irresponsável governador Pezão (PMDB), sendo filiado aos quadros de um partido político que apoiou o impeachment e também é base de sustentação do ilegítimo presidente da República Michel Temer (PMDB), sendo ainda representante de oligarquias tradicionais do município. Poderia romper com tais elos, mas optou pelo mudancismo dócil e pelo injusto ajuste fiscal. Parafraseando Shakespeare: muito barulho por nada.
Professor da Uenf e também cientista político, Hamilton Garcia pareceu caminhar em direção oposta ao do colega da UFF, ao analisar os seis meses de governo Rafael, sem esquecer dos quadros nacional e estadual:
— Campos paga o preço da farra populista dos anos 1990, lastreada nas rendas petrolíferas. Nesse longo período, a elite oriunda do garotismo e suas dissidências fizeram a festa com o beneplácito da maioria do eleitorado, todos insensíveis aos alertas de que tais rendas deveriam de base ao desenvolvimento sustentável. Junte-se a isso a crise do populismo nacional e estadual, e eis a “tempestade perfeita”. Nos conceitos de Rosseau, o desafio do atual prefeito é fazer os inevitáveis ajustes, contra a “vontade de todos”, ao mesmo tempo em que providencia medidas de curto e longo prazo capazes de recuperar a municipalidade em prol da “vontade geral”. O tempo para tal, dada a excepcionalidade da situação, é a duração de um mandato: julgá-lo agora é pura insensatez ou deslavado oportunismo.
Em aparente meio termo, o antropólogo José Colaço Dias Neto, professor da UFF, viu avanços na postura do novo prefeito em relação ao movimento LGBT, mas também criticou o fechamento do Restaurante Popular:
— Em relação às ações da nova equipe do governo municipal acredito que, como em toda gestão, podemos perceber pontos de avanço que merecem destaques positivos, assim como posicionamentos e decisões que contradizem programas e colocam dúvidas nos especialistas e na população em geral sobre os caminhos que a Prefeitura pode escolher para os próximos anos. Como ponto positivo, por exemplo, eu destacaria a realização do evento “Campos Contra a LGTfobia” que ocorreu no mês de maio na Praça São Salvador, assunto de extrema relevância e historicamente ignorado como questão pública, sobretudo aqui na cidade. Ainda no campo dos Direitos Sociais, mas enfocando o que considero ponto negativo, destaco o fechamento do Restaurante Popular Romilton Bárbara, que atendia, no centro de Campos, a uma população realmente necessitada e bastante diversa.
Entre aspectos negativos e positivos, a historiadora Sylvia Paes, professora da Universo, preferiu apostar no “novo” e que “dias melhores chegarão em breve”:
— Seis meses para avaliarmos um governo é muito pouco tempo. Precisamos levar em conta as dificuldades de reestruturação que o próprio sistema exige, em ajustes de pessoas aos cargos e as funções. Já podemos visualizar mudanças positivas em alguns setores, sabemos que outros estão se organizando, enquanto outros ainda não saíram do lugar. As dificuldades que se impõe são múltiplas, pessoas não habilitadas para os cargos, mas contratadas para cumprir promessas eleitorais, “máquina” já inchada com gente demais que não comparece e não soma, falta de recursos econômicos para efetivar áreas estratégicas de alavancagem de muitos outros setores. Além da sobrevivência de velhas políticas, pois os governos mudam, mas as pessoas continuam vivas e ineficientes. Certamente que já vivemos tempos mais seguros em todos os sentidos, contudo a certeza de que dias melhores chegarão em breve é o que nos move. A aposta no novo continua de pé.
Sociólogo e professor da UFF, George Gomes Coutinho usou o pensador marxista Antonio Gramsci (1891/1937) para ressaltar que “o novo ainda não nasceu” em Campos. Mas elencou avanços “tímidos” do novo governo municipal, de quem espera de forma propositiva os próximos 6 meses:
— Além da máxima gramsciana de que o “velho ainda não morreu”, mesmo que tenha adquirido embalagens novas e atualizações, há também “o novo que ainda não nasceu”. Cabe citar a iniciativa da consulta popular em formulário eletrônico que circulou entre os munícipes onde estes deveriam apontar as necessidades de seus bairros. Eis uma tentativa que considero absolutamente louvável da diminuição da distância entre governantes e governados sem dúvida. Não é panacéia evidentemente. Mas, é um avanço. Da mesma maneira é notória a tentativa de oxigenar os setores culturais do município abrindo frentes de interlocução com a classe artística local e apoiando, seja com o Teatro de Bolso ou em eventos que se utilizam de parcerias entre setor público e privado, eventos com entrada franca nos espaços públicos de Campos. Ainda, é inegável também a tentativa de diálogo com os setores propriamente acadêmicos e intelectuais profissionais promovida pelo Governo Diniz. Em suma: as boas novidades se apresentam ainda tímidas. O que não quer dizer que não existam, embora ainda sejam inegavelmente diminutas diante dos desafios de Campos. Aguardemos de forma propositiva os próximos seis meses.

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