Incorporação da região norte fluminense à modernidade (VI)
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 21 de maio de 2017
Incorporação da região norte fluminense à modernidade (VI)
Arthur Soffiati
 
Até 1688, a geografia da baixada campista era bem diferente da atual e muito mais complexa. No esforço de compreendê-la, consome-se bastante tempo. Para um entendimento básico, ela contava com dois eixos aquáticos. O maior deles era e continua sendo o rio Paraíba do Sul, que nasce na serra da Bocaina, corre quase que inteiramente na região cristalina, entre as Serras do Mar e da Mantiqueira até a borda de Itereré, contribuindo para formar, a partir de então, a maior planície fluviomarinha do estado do Rio de Janeiro.
O segundo eixo apresenta grau de complexidade maior, embora mais diminuto que o do Paraíba do Sul. Ele é formado pelos rios Imbé e Urubu. O Imbé corre junto ao sopé da Serra do Mar pelo seu lado externo, no sentido longitudinal, recebendo dela todos os pequenos rios que a singram no sentido transversal. Ambos, Imbé e Urubu, formam a lagoa de Cima, na verdade uma depressão que se alaga com as águas dos dois rios por uma de suas pontas. Na outra ponta, ela transborda e escorre pelo rio Ururaí, cujo principal afluente é o rio Preto. Descendo da Serra do Mar, esse pequeno rio tinha foz no rio Ururaí na estiagem e criava uma foz alternativa no Paraíba do Sul por ocasião das cheias.
O Ururaí desemboca na grande lagoa Feia, que recebia as águas dos rios Macabu e da Prata, além de outros contribuintes lagunares hoje eliminados por ação humana. Por sua vez, a lagoa Feia contava com inúmeros escoadouros na parte sul que se reuniam na lagoa do Lagamar, onde havia uma saída periódica para o mar no tempo das águas. Os antigos chamavam-na de Barra Velha. Daí em diante, havia um escoadouro paralelo à costa que buscava um ponto com baixa energia oceânica para desaguar no mar. Ele recebia o nome de rio Iguaçu. Entre o Paraíba do Sul e o Iguaçu, havia defluentes que partiam do primeiro para o segundo. Os principais eram os vertedouros de Itereré, Cacumanga, Cula, Cambaíba, São Bento e rio Água Preta. O curioso é que o Paraíba do Sul vertia para o Iguaçu, sobretudo nas cheias. Usando o rio Água Preta ou Doce, o Paraíba do Sul ainda criava dois braços auxiliares para chegar ao mar num grande delta. Esses dois braços eram o Gruçaí e o Iquipari, atualmente transformados em lagoas alongadas.
Por sua vez, antes de chegar ao mar, o rio Iguaçu se alargava num grande banhado que recebeu o nome de Boa Vista. Do Iguaçu, restou o trecho final, com cerca de dez quilômetros, hoje conhecido como lagoa do Açu. A planície deltaica cortada por esses dois sistemas hídricos era pródiga em água acumulada em rios e lagoas. Havia mais água do que terra.
Em 1688, o capitão José de Barcelos Machado, um dos descentes indiretos de um dos capitães, rasgou uma vala num dos defluentes da lagoa Feia, ligando o complexo até o mar. O objetivo era abreviar o escoamento de água doce acumulada no período das chuvas, que escoava lentamente para o mar pelo rio Iguaçu. A Barra Velha não era suficiente. Então, ele concebeu um rasgo aberto manualmente que recebeu o nome de vala do Furado. A sede de sua fazenda, o morgado de Capivari, era uma das quatro grandes propriedades rurais da baixada, ao lado do domínio dos jesuítas, dos beneditinos e dos Assecas (da família de Salvador Correia de Sá e Benevides).
A vala e barra do Furado iniciou o processo de conversão de uma área extremamente úmida em terra adequada à agropecuária. Seu comportamento, todavia, era como o da Barra Velha: só se abria nas cheias, pois a energia oceânica muito forte a fechava quando o excedente vazava para o mar.

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