Terror no necrotério
09/05/2017 10:00
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 09 de maio de 2017
(TRÊS MATEUSINHOS)
A autópsia
Terror no necrotério
Edgar Vianna de Andrade
 
André Ovreal (não encontro no computador uma forma de cortar o O inicial do seu nome com uma barra) tem uma filmografia magra, mas um bom domínio da câmara. Seu mais recente filme enquanto diretor é “A autópsia”. Olwen Catherine Kelly, a atriz principal, fez três filmes. Seu papel em “A autópsia” é singular. Ela passa o filme inteiro representando uma bela moça morta apenas movimentando discretamente o dedão do pé. Não sei o que dizer. No Face book o que mais aparecem são mulheres mostrando o rosto, o corpo, as unhas pintadas, passando-me a sensação de que é apenas isso que elas têm a apresentar.
Talvez seja difícil passar 85 minutos nua, exibindo a beleza corporal, mexendo apenas o dedão do pé rapidamente no final do filme. Talvez seja mais difícil do que se movimentar, falar, interpretar. Mexer o dedão do pé por cinco segundos, se tanto, deve ser uma operação cansativa. Mas “A autópsia” não se limita a uma mulher jovem e nua. O cenário principal é uma sala de autópsia com gavetas para conservar cadáveres. O ambiente em si já é tétrico. O tratamento dos corpos sem vida pelo médico Tommy Tilden (Brian Cox)e por seu filho Austin (Emile Hirsch) é prosaico. Eles destrincham cadáveres como as crianças desmontam brinquedos. A rotina das autópsias deve ser essa mesmo. Médicos que trabalham nessa área tornam-se materialistas e frios mesmo que sejam religiosos.
Nesse aspecto é que se nota o grande contraste: vida (ou morte) natural e vida sobrenatural. O cadáver de Jane Doe (Olwen Catherine Kelly) esconde segredos que transcendem o espaço, o tempo e a vida. O filme mescla a racionalidade do presente com crenças antigas, como as bruxas de Salem, assunto para outros filmes. Dois homens racionalistas e frios por sua profissão acabam sendo obrigados a acreditar em fantasmas por todos os fenômenos que vivenciam na própria carne.
Depois de toda a destruição causada pelo exame do corpo de Jane Doe, a polícia tem de lidar com outro mistério. O primeiro foi um massacre inexplicável numa casa onde Jane foi encontrada. O segundo foi o massacre no necrotério onde Jane também estava. O roteiro de Ian B. Goldberg e de Richard Naing tem suas virtudes. A música de Danny Bensi também está adequada ao filme, que apela para os sons a fim de criar a atmosfera adequada; sons repentinos, mortes inesperadas, aparelhos elétricos e eletrônicos que não aceitam comando humano, a presença de um gato, tempestades. São os ingredientes conhecidos dos filmes de terror ocidentais.
O final parece deixar claro que onde está o cadáver de Jane há confusão, há mortes estranhas. Parece anunciar também o início de uma franquia. Depois de esquartejado, o corpo de Jane volta a ser íntegro e vai para outro necrotério. Dentro da ambulância, seu corpo é mostrado em seu todo pela câmara, que, aos poucos, fecha a lente nos seus pés. O dedão se movimenta, então, como se comicamente se despedisse dos espectadores e anunciasse um próximo encontro. Hasta la vista, Jane.

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    Aristides Soffiati

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