Incorporação da região norte fluminense à modernidade (V)
07/05/2017 09:56
Folha da Manhã, 07 de maio de 2017
Incorporação da região norte fluminense à modernidade (V)
Arthur Soffiati
 
Antes de André Martins da Palma, não houve um projeto organizado para a ocupação das terras que futuramente receberiam o nome de norte fluminense. Pero e Gil de Gois procederam como qualquer outro donatário. Lourenço do Espírito Santo (admitamos sua existência) não fez diferente. Instalou-se na margem direita da foz do Paraíba do Sul com seus companheiros e dali se transferiu para o local hoje correspondente à cidade de São João da Barra. Os Sete Capitães fizeram três excursões às terras que requereram em sesmarias, instalaram currais nela e iniciaram uma colonização contínua.
André Martins da Palma encontrou terras extensas, planas e férteis muito irrigadas, um enorme rio (Paraíba do Sul), uma vasta lagoa (Feia), bosques densos (na margem esquerda do Paraíba do Sul), índios semiaculturados, canaviais já consideráveis, pastos nas áreas secas e engenhos de açúcar e aguardente. Já existia uma vila, ainda não elevada a esta condição oficialmente pelo poder de direito.
Em 1657, sua representação ao rei de Portugal trabalha com esses dados. Daí sua proposta de construir uma fortaleza na foz do rio Paraíba do Sul para defender a região de estrangeiros, sobretudo holandeses; a elevação da vila informal diretamente à condição de cidade; a criação de uma vila na foz do rio; o uso das águas do rio e da lagoa como fonte de energia; o domínio e a catequese dos índios; a cobrança de tributos; o estímulo à agricultura e a pecuária, com a experiência do plantio de trigo, e à indústria de açúcar e aguardente.
No final da representação, André Martins da Palma enfatiza: “... tendo V. Majestade a dita cidade e vila com justiças, e sua câmara, haverá logo livro de sesmaria, no qual se registram todas as datas que V. Majestade tem dado e der aos moradores dos ditos campos, e havendo o dito livro, por ele saberá V. Majestade o que se lhe tem usurpado e poderá vir a tanto crescimento de moradores que o que hoje vem a ser de três pessoas poderosas venha redundar em tantas que tenha V. Majestade de direitos com que possa sustentar grandes exércitos e armadas só com o rendimento dos ditos reais direitos.”.
Havia, na baixada, quatro grandes propriedades: o morgado de Capivari, de José de Barcelos Machado, os domínios dos Jesuítas, as terras dos beneditinos e a grande fazenda dos viscondes de Asseca. Parece que Palma é favorável aos domínios alodiais, ou seja, de pequenos lotes de terra entre as grandes propriedades. Mais produtores equivaliam a mais produção e a mais impostos. Daí a ênfase do representante sobre a importância de elevar Campos diretamente à condição de cidade, com sua câmara e suas leis, mas, ao mesmo tempo, com o controle direto da coroa portuguesa, com a indicação de um representante direto dela.
A opção hipotética entre pesca, agropecuária e agroindústria já havia sido ultrapassada. Entre o primeiro curral, instalado em 1633, e a representação, em 1657, o gado e a cana se alastraram na região. Em nenhum momento, André Martins da Palma se refere à atividade pesqueira como importante. O silêncio fala mais que as palavras. No final do século XX, um importante engenheiro do Departamento Nacional de Obras e Saneamento dirá que a pesca era uma atividade subalterna e que não gerava riquezas para a região. Mas ela sempre existiu. Ela era praticada pelos povos nativos da região. Portanto, a pesca é mais antiga que a agricultura, praticada apenas em caráter suplementar pelos indígenas.
No início da colonização portuguesa contínua da região, no século XVII, a pesca era muito mais expressiva que hoje. A existência de um povoado com predomínio de pescadores em São João da Barra, bem como a enorme quantidade de rios e lagoas na planície deltaica, aponta para uma atividade pesqueira bem mais significativa que hoje. A pesca era praticada nos ecossistemas de água doce e tudo indica que no mar. Reza a tradição que Lourenço do Espírito Santo era pescador em Cabo Frio e chegou à foz do Paraíba do Sul por navegação marítima. Assim, a pesca era uma atividade tradicional paralela à agropecuária e complementar a ela. Até a crise geral da cana na região, ela suplementava os trabalhadores rurais na safra e na entressafra.
Mas a atividade pesqueira não apontava para nenhum desenvolvimento futuro da região. A cana era usada para a produção de açúcar e aguardente. O gado em pé atendia ao Rio de Janeiro. A agropecuária estava atrelada aos interesses de desenvolvimento de Portugal. A pesca podia ser praticada para atender às necessidades locais dos pobres, mas nunca para desenvolver a região. Até hoje, ela é vista com os mesmos olhos de há quase quatrocentos anos: uma economia tradicional, paralela e subalterna, com alcance apenas local.
Mas, André Martins da Palma quer ser mais convincente para a coroa portuguesa. Não bastava acenar ao rei com riquezas oriundas da agropecuária. O que as monarquias europeias mais desejavam eram metais preciosos. Pero Vaz de Caminha acena com ouro e prata para atrair os olhos do rei para o Brasil em sua carta de registro da chegada ao Brasil. André Martins da Palma faz o mesmo em relação ao futuro norte fluminense: “Há mais no sertão muitas minas de prata e ouro...”.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Aristides Soffiati

    [email protected]