Será o fim dos pipocas?
25/04/2017 20:04 - Atualizado em 25/04/2017 20:07
No quilômetro 11 da última São Silvestre, em 31 de dezembro de 2016, a estudante Carolina Santos pediu água. Mas os pontos de apoio e hidratação ao longo do trajeto só tinham garrafas e copos vazios, então ela teve de correr os últimos quatro quilômetros da prova com sede, além de dor na planta do pé. "Foi um caos."
A água tinha acabado.
A reclamação, reverberada por centenas dos 30 mil corredores inscritos na competição, fez o mundo da corrida colocar o pé em 2017 já em guerra.
O inimigo são os pipocas, corredores que participam de provas sem ter pago a inscrição para o evento. Foram 15 mil deles na última São Silvestre, segundo a produtora do evento, que responsabiliza os penetras pelo problema de abastecimento hídrico.
O termo também é usado para descrever os foliões que desfilam de graça no Carnaval, sem comprar abadá. Desde então, grandes corridas como a Maratona de São Paulo mudaram para combater os piratas:
1) O acesso para o pelotão de largada foi dificultado. Se antes qualquer um podia ficar perto da linha de saída, ela agora é cercada por gradis, onde só entram pessoas com o número de identificação da prova afixado à camiseta.
2) Durante o trajeto, alto-falantes descrevem como estão vestidos os corredores que não pagaram para estar lá e que conseguiram furar o bloqueio –eles chegam a ser vaiados pelos colegas e chamados publicamente a se retirar da prova.
3) Um quilômetro antes da chegada, um outro pelotão de funcionários fica a postos para retirar da rua quem não pagou (mas há quem ignore a bronca e escape do enquadro para passar pela linha de chegada e ver seu tempo).
Criou-se até uma mascote: uma pipoca com perninhas humanas, que é sempre retratada sob um sinal de proibido nas redes sociais. "Reduzimos o número de pipocas em 25% com essas ações", afirma Thadeus Kassabian, diretor-geral da Yescom, empresa que produz a Maratona de SP e dezenas de outras. Segundo Kassabian, corredores não inscritos fazem com que o orçamento total de um evento aumente entre 30% e 40%. O personal trainer José, que pede para não ter seu sobrenome publicado para evitar brigas com a comunidade corredora, admite ser um pipoca. Já correu mais de 20 provas, e teve um gasto total de zero reais com elas.
"Eu mal tenho dinheiro para pagar aluguel. Não faz sentido gastar R$ 400 por mês para correr na rua", diz ele. "É elitizar um esporte que não tem custo e ainda é cheio de patrocínios."
Produtores afirmam que o custo cobrado dos corredores é a diluição da documentação, pessoal contratado (para, por exemplo, guardar volumes, oferecer água e brindes no final da corrida, e tirar fotos dos corredores) e estrutura do evento.
José pode ter cruzado recentemente com o analista de sistemas André Marafon, 38. Ele fez três maratonas e dez meias maratonas nos últimos 15 anos. Não tinha enfrentado grandes problemas de congestionamento humano até a São Silvestre.
"Quase não dava para correr nos primeiros quilômetros, de tão lotado que estava. Não dá para estabelecer o ritmo [de corrida] se tem muita gente." Por correr nos primeiros pelotões, ele nunca passou sede e se livra do aperto depois de alguns quilômetros.
"Agora virou uma caça às bruxas. Quanto essas empresas estão lucrando?", pergunta Márcio, estudante de filosofia e corredor esporádico que também se recusa a pagar inscrição. "E hoje tem corrida de R$ 300 por aí" –por mais que as inscrições não cheguem a tanto, pacotes VIPs, cheios de brindes e acessórios esportivos, pipocam como opção, e chegam a custar R$ 300.
O organizador afirma que há corridas como a Maratona de São Paulo e da Pampulha, as meias do Rio e de São Paulo em que a inscrição custa R$ 70 –idosos têm direito à meia-entrada e pessoas com deficiência física correm de graça, bem como corredores atendidos por entidades beneficentes. "Se o atleta se programar pode se inscrever com bons preços", diz Kassabian.
"Quero ver eles correrem atrás de mim", diz José, que terminou a última prova de 42 quilômetros em menos de quatro horas.
Fonte: Folha de São Paulo

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    Sobre o autor

    Marcos Almeida

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    Marcos Almeida é assessor esportivo, especialista em Ciência da Musculação e mestre em Ciência da Motricidade Humana.