Incorporação da região norte fluminense à modernidade (IV)
30/04/2017 10:35
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 30 de abril de 2017
Incorporação da região norte fluminense à modernidade (IV)
Arthur Soffiati
 
André Martins da Palma saiu do Rio de Janeiro em direção a Campos na segunda metade do século XVII por motivo de castigo. Durante sua permanência, ele procurou conhecer as terras da baixada e escrever um projeto para promover o seu desenvolvimento. Que se saiba, é o primeiro documento em que figura a palavra “desenvolvimento”. O título do projeto é “Representação sobre os meios de promover a povoação e desenvolvimento dos campos dos Goitacazes em 1657”, publicado na “Revista Trimensal do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil” tomo XLVII, parte I. Rio de Janeiro: Laemmert, 1884.
O autor observou o ambiente natural da região e notou a fertilidade da terra: “... pela muita fertilidade da terra há nela muitos canaviais de canas de açúcar e a terra em si com tanto assento para engenhos de água que todos se meterão no emprego delas...”. O rio Paraíba do Sul não podia lhe passar despercebido: “... rio tão grandioso que poderá mover mil engenhos sem lhes fazer falta água, carnes, lenhas, por tudo ser em tanta abundância, e a terra tão fecunda que para tudo há sem detrimento...”
A lagoa Feia o impressionou: “Há uma alagoa muito grande para a comunicação dos povos vizinhos, que, sendo de água doce, se não vê terra, navegando-se por muitos dias, e é tão dilatada que por um mês e mais se não corre. Nesta pode V. Majestade mandar, que fazendo-se povoações, se cultivem, podendo-se pôr nela grandes moinhos, com o que haja dilatadas searas de trigo pela terra e dar em muita abundância, e crescendo os moradores nela importarão muita fazenda à real coroa de V. Majestade pela brevidade do comércio, em razão de ser por mar e vir sair duas léguas de sítio, em que advirto a V. Majestade se faça a cidade, além de muitos currais que crescerão com as ditas povoações, importando só o dízimo deles em grande número de dinheiro...” Parece que Palma não navegou a lagoa. Ela era, de fato, enorme, com mais de 400 km², mas não exigia um mês para ser cruzada. É curioso que o autor proponha o cultivo de trigo em terras ocupadas por cana e gado.
Ele também registra a existência de florestas, provavelmente na margem esquerda do grande rio: “tem V. Majestade grandes e dilatados matos de pau de jacarandá, a que chamam pau del rei, que só de direitos, havendo navegação, importará em muitos mil cruzados.” E de índios, que viviam ainda em Campos: “... primeiro que tudo, se celebre e só se catequizem os pagãos gentios, para que, alumiados com o leite da santa fé, fique fácil o poder de domá-los à vista dos reduzidos a ela...”
Colonos de origem europeia e mestiços já ocupavam a região com plantação de cana e criação de gado. Já existia a vila de Campos. Entre 1632, primeira viagem dos Sete Capitães, e 1657, data da representação de Palma, o crescimento foi rápido. Já havia vários engenhos de açúcar e de aguardente instalados.
O estrangeiro propunha ao rei de Portugal auferir “... grandes lucros, que sua real fazenda pode tirar com pouco cabedal e dispêndios nestes campos dos Goitacazes.” Era preciso, antes de tudo, dominar os índios. Palma revela que “...treze anos (...) gastei no propagamento do gentio indômito, que senhoreava estes campos (...) domei a maior parte de todo ele (que) vêm hoje ao resgate, trazendo suas mercancias de cera, mel e mais lavouras da terra, a que sua indústria chega para com elas lavrar a terra e fazer roçarias, que é o pão da terra.”
Embora definitivamente expulsos do Brasil, os holandeses ainda eram vistos como ameaça. Daí o conselho: “V. Majestade deve mandar obrar por provisões suas, pondo ministro de sua real fazenda (...) na barra deste rio (Paraíba do Sul) se faça uma fortaleza real com sua artilharia, que resguarde dela e do inimigo holandês que infecciona esta costa, e não vir a entrar por ela a ser senhor de um tão grande tesouro”.
A necessidade de um forte na foz do rio era completada com o erguimento de um núcleo urbano: “à boca da barra se faça uma vila com suas justiças para as entradas de embarcações (...)” Ao parecer de Palma, Campos já merecia ser elevada à condição de cidade: “onde hoje temos ainda povoação, seja cidade com superioridade de jurisdição sobre a dita vila por ser distante dela mais de 8 léguas, com capitão major independente do governo do Rio de Janeiro.” No fim do século XVIII, Campos não havia alcançado ainda o estatuto de cidade, mas era o centro do Distrito dos Campos Goitacazes.
A preocupação de André Martins da Palma era ganhar muito dinheiro gastando pouco, preocupação da Coroa Portuguesa desde o início da colonização do Brasil: “Os moradores da dita vila ou cidade, aonde há grande número de criadores de gado vacum, concorrerão todos na obra da grande fortaleza à vista do grande interesse que estas terras prometem pela abundância de sua fertilidade e só com V. Majestade mandar um navio carregado de ferro e artilharia bastante para a dita fortaleza, na qual mandará V. Majestade pôr capitão maior com seu soldo sem que a fazenda de V. Majestade diminua de coisa alguma, antes maiores acrescentamentos dela.”

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    Aristides Soffiati

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