Vida perigosa
25/04/2017 09:34
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 24 de abril de 2017
(QUATRO MATEUSINHOS)
“Vida”
Vida perigosa
Edgar Vianna de Andrade
 
Ainda hoje, é muito comum a vitória dos humanos contra a natureza e as máquinas em filmes provenientes dos Estados Unidos. Há um caráter triunfalista, já superado, mostrando que, apesar das batalhas colossais, o ser humano sempre encontra, no fundo da sua Inteligência, um recurso para derrotar a vida e as máquinas que o ameaçam.
“Vida”, com direção de Daniel Espinosa e roteiro de Rhett Reese e Paulo Wernick, alerta para os limites dos projetos humanos. Uma equipe internacional de astronautas trabalha numa estação espacial com material colhido em Marte. Impressionante o fascínio que Marte ainda exerce na imaginação humana. Por mais que os cientistas tenham descoberto planetas extrassolares com possíveis condições de habitabilidade humana, os astros do nosso sistema solar continuam espicaçando nossa imaginação.
Na verdade, não é preciso ir muito longe para encontrar limites. A equipe multidisciplinar de astronautas encontra vida no material colhido em marte. Um simples organismo unicelular, um protozoário, para gerar uma distopia. Muita alegria da equipe com o achado. Informações enviadas à Terra. Participação de crianças e adolescentes na descoberta. O ser vivo é batizado de Calvin. Um ser microscópico, lindo e inofensivo aos poucos se transforma numa espécies de polvo, matando com seus tentáculos a tripulação da estação.
Pareceu um pouco exagerada a capacidade de sobrevivência de um ser vivo a condições extremas. Ele é mesmo um extremófilo, um organismo com resistência superior preparado para enfrentar as mais ingentes vicissitudes, como um tardígrado, por exemplo.
Quanto ao gênero do filme, não há muitas novidades. Um grupo de pessoas escolhidas para a missão. Muita tecnologia dentro da estação e na produção do filme. Um grupo pequeno de atores, representando Estados Unidos, Rússia e China. Uma equipe só concebível em missões científicas, sobretudo fora da Terra. Há muito dos filmes do gênero. Calvin é uma espécie do monstro de “Alien”, que rendeu uma franquia e que está de volta em breve.
Há algo mais, porém, algo ecológico, algo alertando quanto ao perigo de introdução de espécies de um ecossistema em outro. Algo alertando quanto ao risco das doenças transmissíveis. Algo chamando a atenção sobre o processo de globalização que, depois de engolfar a Terra com seus tentáculos, parte para o espaço. Já existem filmes abordando os perigos, mas também as maravilhas de levar a globalização a outros planetas. Este é o tema central de “Passageiros”, lançado neste ano de 2017. Contudo, apesar das agruras vividas por um casal dentro de uma fabulosa nave, “Passageiros” tem um final feliz. “Vida” é pessimista. Na nave, há tripulantes que amam a Terra, a despeito dos problemas que os humanos criaram para si e para ela. Há tripulantes que não desejam retorno.
E o final não é feliz. Na verdade, o que impera é o erro. Morin já alertou para o erro de subestimar o erro dentro da complexidade. O fim de “Vida” enfatiza o erro como algo humano, como algo intrínseco à própria vida. O erro do fim parece uma piada. Mas uma piada trágica.

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    Sobre o autor

    Aristides Soffiati

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