Vinte e quatro
11/04/2017 09:12
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 11 de abril de 2017
TRÊS ESTRELINHAS
(Fragmentado)
Vinte e quatro
Edgar Vianna de Andrade
 
Percebo um traço comum aos filmes de M. Night Shyamalan: o caráter infanto-juvenil. Mesmo que crianças e adolescentes não figurem como atores, o caráter está presente. O diretor indiano radicado nos Estados Unidos se declara admirador de Alfred Hitchcock. Acredito. Acho mesmo que ele é tão fã do cineasta britânico que imita a assinatura dos seus filmes. O genial Hitchcock costumava aparecer rapidamente em suas produções. Shyamalan, mais vaidoso que o mestre, costuma desempenhar papel temporário nas suas produções.
Mas, voltando ao caráter infanto-juvenil do diretor, podemos notar essa caraterística mesmo nos filmes mais adultos dele. Em “O sexto sentido”, Bruce Willis contracena com um menino detentor de sabedoria maior que o adulto. Em “Corpo fechado”, não aparecem crianças. No meu entendimento, esses dois filmes traziam a promessa de um diretor criativo. Mas, bastou lhe dar corda para que ele expressasse sua imaturidade. Steven Spielberg também revela tendência ao infantilismo, mas sabe sair dela quando necessário. Aliás, a imaturidade de Spielberg se torna mesmo indispensável quando seus filmes se voltam para público infanto-juvenil. Shyamalan só fez filmes voltados para adultos, sempre os tratando como crianças. “O último mestre da água” continua insuperável neste aspecto.
“A visita”, de 2016, é um drama com suspense imediatamente anterior a “Fragmentado”. Este, lançado em 2017, é um “thriller” com três núcleos narrativos que se relacionam. No principal, um psicopata sequestra três adolescentes e as mantém prisioneiras num porão. No segundo, o psicopata conversa com sua analista. Ele sofre de transtorno dissociativo de identidade. Tem 23 personalidades numa só pessoa e anuncia a aproximação da vigésima quarta.
O terceiro núcleo gira em torno de Anya Taylor-Joy (Casey Cooke), uma das adolescentes sequestradas em mantidas em cativeiro. Ela tem um passado traumático por ter sido estuprada pelo tio. É das três, portanto, a mais madura e mais fria para lidar com o psicopata. Ela será a principal interlocutora dos 23 personagens e vítima do 24°. Até aí, Shyamalan se esforça para ser adulto. Uma das personalidades é infantil e talvez represente melhor o diretor.
Não é o final inesperado que assusta os espectadores. Todos os filmes do diretor, costumeiramente também roteirista, têm final inesperado. Creio que, sabendo introduzir o inesperado, o filme ganha interesse. Mas depende de que tipo de inesperado se trata. A nova personalidade de Kevin, o psicopata com muitas personalidades muito bem representadas por James McAvoy, é uma fera. Pode-se esperar que seja uma faceta violenta de Kevin ainda oculta. Mas é uma espécie de Hulk que sobe pelas paredes. Nesse momento, o final inesperado vem carregado da única personalidade do autor: a infanto-juvenil.
A crítica, porém, está elogiando o filme. Argumenta-se que, depois de “A vila”, o diretor caiu muito. Com “A visita”, ele começa a se erguer. Com “Fragmentado”, mais ainda. Um autor sempre amadurece. Rápido ou lentamente. Shyamalan é lento.


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    Sobre o autor

    Aristides Soffiati

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