Incorporação da região norte fluminense à modernidade (II)
02/04/2017 10:22
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 02 de abril de 2017
Incorporação da região norte fluminense à modernidade (II)
Arthur Soffiati
 
Depois que Gil de Gois devolveu oficialmente a Capitania de São Tomé à Coroa portuguesa, terras suas foram requeridas a título de sesmarias. Uma sesmaria era uma gleba de terra doada gratuitamente a quem já tivesse posses. Ela não conferia poder político a seu detentor, apenas poder econômico. Nas terras da capitania, Pero e Gil de Gois deixaram apenas arranhões da cultura europeia que se autorregeneraram. Restaram apenas ruínas do porto e engenho em Limeira, que podem ser vistos ainda hoje.
Os jesuítas e sete fidalgos requereram sesmarias na antiga capitania em 1627. Os fidalgos chegaram primeiro. Eles partiram da baía do Rio de Janeiro, hoje Guanabara, passando por Cabo Frio. Onde hoje fica a cidade de Macaé, já existia um arraial bastante precário. Numa embarcação de tipo sumaca, a expedição rumou para o cabo de São Tomé. O guia da expedição jogou-se no mar e conseguiu chegar à costa num mar bravio. A sumaca voltou a Macaé e, de lá, a expedição rumou a pé para tomar posse de suas terras, que se estendiam da foz do rio Iguaçu, hoje reduzido à lagoa do Açu, ao rio Macaé.
A expedição contava com um escrivão. Ela fez contato com um grupo indígena às margens da lagoa Feia. Quando a conheceram, os membros da expedição ficaram pasmos com o “mar interior de água doce”. Recebeu o nome de Feia por ser conhecida em dia de condições climáticas feias, ou seja, de forte temporal. Daí o seu nome.
Seguindo viagem, a expedição dirigiu-se ao cabo de São Tomé. Todos foram com os dedos nos gatilhos de suas armas, temendo a ferocidade dos índios goitacás. Não foi necessária violência explícita. As sentinelas avançadas da civilização europeia na sua versão portuguesa foram bem recebidas pelos índios. Entre eles, viviam náufragos e foragidos da justiça. Havia, inclusive, um negro que os capitães julgaram ser um escravo foragido.
O guia foi reencontrado e os índios receberam a expedição muito bem, com grande fartura de peixes e animais caçados. Os capitães foram informados que os “maus” goitacás se transferiram para a margem esquerda do rio Paraíba do Sul. O imaginário, o fantasioso, o perigo foram sempre deslocados para mais distante, mas eles existiam.
Consta que, em 1622, dez anos antes dos capitães, portanto, pescadores de Cabo Frio liderados por Lourenço do Espírito Santo instalaram-se no local que futuramente corresponderia a Atafona e deram origem a São João da Barra. Precisamos de mais fontes para confirmar essa outra forma de colonização. Os sete capitães tomaram posse de suas terras para a criação de gado, com o fim de fornecê-lo ao Rio de Janeiro. Seja como for, parece que a colonização contínua do norte fluminense em moldes europeus foi iniciada por pescadores e pecuaristas.
A planície deltaica apresentava condições mais apropriadas para a pesca que para a agropecuária, mas esta suplantou aquela. Os capitães tomaram as primeiras providências para dividir a sesmaria em sete lotes. Reflitamos sobre a incorporação definitiva da região à globalização: criação de gado para abastecimento do Rio de Janeiro, povoação portuguesa que já nasceu com o estatuto de cidade ligada à corte portuguesa, por sua vez integrada à Europa nos primórdios de sua expansão pelo mundo. O futuro norte fluminense não apenas começava a ocidentalizar-se e a incorporar-se à economia capitalista.
Na segunda expedição, os capitães batizaram os acidentes geográficos que foram encontrando na região com nomes de origem tupi e portuguesa. Foi, das três expedições, a que mais permitiu o reconhecimento das terras. Nessa segunda viagem, foi erguido o primeiro curral, na localidade correspondente a Campo Limpo, confiado aos cuidados do índio mestiço e cristianizado Valério da Cursunga. Também um oratório em louvor a São Miguel foi erguido em terras da atual Quissamã. A terceira e última expedição foi promovida em 1634. Os capitães não se se fixaram em suas terras. Coube a seus herdeiros promover a colonização. Logo depois, sabedores da fertilidade delas, embora a maior parte estivesse no fundo de lagoas, os Jesuítas também ocuparam as glebas reivindicadas.
Salvador Correia de Sá e Benevides, governador da Capitania do Rio de Janeiro, requereu a Capitania de São Tomé para sua família. Ela passou a ser conhecida como Capitania de Paraíba do Sul. Campos começou a se erguer. A região dividiu-se em quatro grandes domínios rurais: morgado de Capivari, Jesuítas, Beneditinos e Assecas. Estes eram os descendentes dos Sá e Benevides. Um conflito secular instalou-se entre os herdeiros dos Sete Capitães e os Sá é Benevides. A região avançava na globalização.
O texto que melhor registra os primeiros momentos da colonização contínua é o “Roteiro dos Sete Capitães”, na versão de Adelmo Henrique Daumas Gabriel e Margareth da Luz (Orgs.); Carlos Roberto B. Freitas; Fabiano Vilaça dos Santos; Paulo Knaus; Arthur Soffiati (notas explicativas) e Marcelo Abreu Gomes. Macaé: Funemac Livros, 2012.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Aristides Soffiati

    [email protected]