Incorporação da região norte fluminense à modernidade (I)
26/03/2017 09:50 - Atualizado em 26/03/2017 09:50
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 26 de março de 2017
Incorporação da região norte fluminense à modernidade (I)
Arthur Soffiati
 
Para compreender o processo de integração de áreas não europeias a uma economia global, é preciso recordar minha interpretação da Modernidade porque há várias teorias sobre ela. Para mim, toda civilização, ou seja, toda cultura com cidades e divisão social e regional do trabalho, produziu excedentes apropriados por uma atividade comercial. Se o comércio não crescia, o motivo era a produção limitada de excedentes.
A civilização ocidental, na Europa, foi a única em que uma atividade comercial começou a ultrapassar os limites da produção feudal de excedentes, exigindo o aumento dela. Entre os séculos XI e XV, o comércio europeu promoveu as Cruzadas para derrubar o monopólio dos muçulmanos sobre o comércio oriental. Não conseguiu. Então, buscou duas saídas: construir um modo de produção de mercadorias e se expandir pelo oceano Atlântico.
A expansão marítima do século XV representa o início do processo conhecido como globalização. Na verdade, trata-se da ocidentalização do mundo. Entendo também que a modernidade começa com a globalização. Portugal, nessa primeira fase, é um país pioneiro da globalização, embora existissem fortes interesses econômicos de outros países que impulsionavam a expansão lusa.
No que seria o norte-noroeste fluminense, a globalização começou no século XVI. Durante os trinta anos após a chegada de Pedro Álvares Cabral, o Brasil não representou muito interesse para Portugal. O oriente era bem mais interessante. O principal produto do Brasil era o pau-brasil, comercializado com os nativos, que viviam de uma economia de subsistência. Os nativos trocavam pau-brasil por quinquilharias. A costa entre os rios Itapemirim e Macaé não contava com população expressiva dessa planta.
Portugal começou a perceber que o Brasil devia ser colonizado quando o país passou a receber visitas frequentes de estrangeiros, sobretudo franceses, também em busca do pau-brasil. Adotou, então, uma solução bem conhecida atualmente: a terceirização. Dividiu o Brasil em lotes que foram doados a nobres e comerciantes para que eles promovessem a colonização. Tratava-se de uma empresa de risco em que o aquinhoado com um ou mais lote (donatário) tinha direitos, mas muitos deveres.
O sistema recebeu o nome de capitanias hereditárias. Pero de Gois recebeu a capitania de São Tomé, correspondente ao norte-noroeste fluminense e ao sul capixaba atuais. Depois de negociações com o donatário vizinho do norte, a capitania de São Tomé tinha como limites, ao norte, o rio Itapemirim. Ao sul, aproximadamente, o rio Macaé.
Consta que Pero de Gois tentou instalar a sede da capitania numa das margens do rio Paraíba do Sul, mas que teria mudado de ideia por causa do terreno: pantanoso e sujeito a inundações. Decidiu, então, construir a sede na margem direita do rio Itabapoana (chamado então de Managé), junto à foz.
Consta que ele ergueu dois núcleos populacionais. Na foz, a vila da Rainha (homenagem à rainha de Portugal) e, na última queda d’água do rio, um porto e um engenho. Nenhum vestígio restou da Vila da Rainha, onde hoje existe Barra do Itabapoana. Quanto ao porto, as ruínas permanecem lá, em Limeira.
Com Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral, a Europa inicia o processo de incorporação da América a uma economia de mercado. Enquanto os nativos trabalhavam apenas para obter sustento próprio, sem projetos para promover o que denominamos “desenvolvimento”, os europeus estavam imbuídos de uma visão de exploração e de acumulação de capital.
Foi esse o espírito que animou a colonização. Pero de Gois ergueu um povoado e dois engenhos de açúcar não com o fim de criar melhores condições de vida para os nativos (eles não precisavam disso), mas para ganhar dinheiro. Sem capital suficiente para “tocar a capitania”, ele se associou ao comerciante português Martim Ferreira. Pelo nome, Gois devia ser judeu convertido ao cristianismo por conveniência (cristão novo). Sua correspondência com Martim Ferreira mostra confiança no futuro da capitania. Claro, ele não podia mostrar as dificuldades enfrentadas ao sócio que detinha o capital. Para o rei de Portugal, todavia, a choradeira era grande. Este estratagema é usado até hoje.
A tentativa de Pero de Gois de incluir a região na Modernidade globalizadora fracassou. A Vila da Rainha viveu entre 1539 e 1546. A capitania de São Tomé foi abandonada. Em 1619, ela foi reativada por Gil de Gois, filho do donatário. Consta que ele teria fundado a Vila de Santa Catarina, na foz do rio Itapemirim. A segunda tentativa também malogrou. A capitania foi devolvida para a Coroa portuguesa até a chegada dos Sete Capitães, em 1632, que iniciarão uma colonização contínua da região. Com eles, a região se integra efetivamente na globalização.

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