Chuva no lugar e no tempo errados
14/03/2017 19:24
Chuva no lugar e no tempo errados
Arthur Soffiati
 
Se os insignificantes 10 milímetros de chuva que se abateram sobre Campos hoje (14 de março de 2017) mais cedo, tivessem caído na área rural – sobre a lagoa Feia, por exemplo – eles não causariam a mínima alteração. Pareceriam uma pulga picando um elefante. Se caíssem no século XVII sobre o embrião de Campos, também não se notaria qualquer alteração importante. Caso se precipitassem sobre Campos no início do século XX, também não. Creio que não seriam muito notados nos anos de 1970, quando vim morar nessa cidade.
Agora causam. Toda vez que chove, podem anotar, rapidamente se alagam a descida da ponte Leonel Brizola do lado de Campos, os arredores do mercado, a rua Formosa na altura do 8º BPM, a rua Edmundo Chagas, o entorno do edifício Salete, a Avenida Pelinca, a rua Baronesa da Lagoa Dourada, o novo Jóquei e a rua Tomaz Coelho quase Alberto Torres. É que, nesses pontos, havia lagoas outrora. Na descida da ponte e arredores do Mercado, a lagoa do Osório; nas adjacências do 8º BPM, a lagoa de Santa Ifigênia; na rua Edmundo Chagas e Edifício Salete, a lagoa João Maria; na Avenida Pelinca, um extenso brejo; na Baronesa da Lagoa Dourada e Tomaz Coelho, a lagoa Dourada; no Jóquei, a lagoa do Goiabal.
No século XVII, a Baixada dos Goytacazes de fabuloso pantanal começou a ser convertida em terra para a agropecuária e para os núcleos urbanos. Muitas lagoas foram drenadas a um preço ambiental e econômico muito alto. Já que era para implantar uma cidade das dimensões de Campos, o serviço deveria ser bem feito. Mas não foi. As lagoas cercadas pela cidade foram mal drenadas. As ruas, pontes, praças e edificações se ergueram sobre essas lagoas, soterrando-as ou comprimindo-as. Seus leitos não foram nivelados, mas foram impermeabilizados. O resultado de qualquer chuvinha insignificante é promover a volta dos fantasmas das lagoas. Campos é uma cidade de fato assombrada. Matou as lagoas, mas seu espectro nos assombra.
O engenheiro campista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito concebeu um sistema de canais para garantir a drenagem dessas lagoas e não o retorno delas. Um canal sairia do local onde hoje existe o CEPOP, passaria pela rua Formosa e pela Edmundo Maciel, seguindo pela 28 de Março até o Canal Campos-Macaé (Valão). Ele esgotaria as lagoas do Goiabal, Santa Ifigênia e João Maria. Outro começaria na rua Baronesa da Lagoa Dourada, cortaria a Avenida Pelinca e alcançaria o Valão na altura da descida da ponte Leonel Brizola. Ele drenaria a Lagoa Dourada, o brejo da Avenida Pelinca e o que sobrou da lagoa do Osório.
Se esses dois canais tivessem sido construídos pela municipalidade, os problemas de alagamento urbano talvez não ocorressem. Mas Saturnino de Brito era um homem de forte caráter e demasiadamente honesto. Ele entendia que os canais devem ser mantidos sempre abertos e limpos. Caso isso acontecesse, muitas áreas privatizadas pela especulação imobiliária seriam públicas. Contudo, nosso individualismo taparia os canais e construiria prédios sobre eles. Ou badulaques como os que Rosinha ergueu sobre o Valão.
Para os ruralistas, é necessária a limpeza dos canais de Coqueiros e Cambaíba. Para a cidade, nem tanto. É um desafio à administração pública que continua sem resposta. Estamos comprovando que os piscinões não resolvem.

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    Aristides Soffiati

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