A grande mentira
01/03/2017 10:40
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 01 de março de 2017
(TRÊS MATEUSINHOS)
A grande mentira
(A GRANDE MURALHA)
Edgar Vianna de Andrade
 
Esqueça tudo que você aprendeu na escola sobre a Muralha da China, se é que aprendeu e se é que já não esqueceu. Ela não foi construída entre os séculos III a. C. e XV d.C. para deter povos nômades do norte ou para empregar desocupados.
Pesquisas arqueológicas mais recentes descobriram que a grande muralha, única obra humana que pode ser vista do espaço, foi erguida para conter monstros inteligentes que atacavam o império chinês de 60 em 60 anos. Eles eram quadrúpedes e muito ferozes, mas tinham um comportamento semelhante ao das formigas e abelhas: viviam em função de uma rainha, sempre protegida e alimentada por eles.
Na iminência de um novo ataque das feras, um grupo de aventureiros e mercenários ocidentais chega à China em busca de pólvora para ganhar dinheiro. A exemplo de Marco Polo, eles são comerciantes também. Seus líderes são William Garin (Matt Damon) e Pero Tovar (Pedro Pascal). A Europa ainda não havia iniciado a expansão marítima para saquear o mundo, mas a economia de mercado já plasmava o protótipo do negociante sem princípios.
Antes de serem presos, os aventureiros são atacados por sombras estranhas. Todos morrem, mas William e Tovar escapam depois de cortarem a mão de uma fera atacante. Eles não sabem de que se trata, mas aprisionados pelos chineses em pé de guerra, passam a saber. Os exércitos da China Imperial estão preparados para uma nova investida dos monstros. As mulheres também são combatentes. Uma delas é Lin Mei (Jing Tian), bela chinesa que acaba por se tornar a comandante em chefe com a morte do grande general comandante.
Os dois mercenários não sabem falar chinês, mas Lin Mei e outro militar sabem. Como aprenderam? Com Ballard (Willem Defoe), outro espertalhão ocidental, também atrás do pó preto, capturado 25 anos antes. Os chineses dominam fisicamente os ocidentais, mas estes mostram a que vieram. A língua inglesa já é conhecida no extremo oriente, os mercenários sabem usar arco e flecha e outras armas brancas como ninguém. São inteligentes e bons estrategistas. Logo, assumem o controle da situação e ajudam a repelir o ataque dos monstros.
Numa pequena passagem, William e Mei revelam suas diferenças culturais. Ela é regida por princípios éticos. Sua luta visa defender o império e o imperador. A lutadora tem honra. William já lutou como mercenário em várias guerras no ocidente. Ele luta por dinheiro. A Europa já começa a produzir oportunistas como Cortez e Pizarro mais tarde. A China ainda é regida por valores éticos. Foi o melhor momento, em minha opinião. No fim, William se converte à honradez. Só faltou mesmo uma paixão e um beijo hollywoodianos, mas vamos com calma. Não me levem em conta. Sou historiador.
A direção é de Zhang Yimou, cineasta já celebrizado por outros filmes sobre temas chineses. Ang Lee, outro cineasta chinês, já se rendeu ao cinema ocidental. No fundo, o ato de adotar a tecnologia do cinema revela que o oriente se ocidentalizou. No entanto, os cineastas chineses rodavam filmes sobre assuntos chineses. Afinal, Bollywood, nome que mistura Bombaim e Hollywood, é um poderoso centro de produção cinematográfica cujos filmes se voltam para um público indiano.
Afinal, o que pretende Yimou com este filme caríssimo, talvez o mais caro da história? Saí do cinema com a impressão de que a China não se contenta em conquistar o ocidente com seus filmes. A mistura de temas chineses, ocidentais e de ficção científica pretende ir mais longe. Lançar a China verdadeiramente como grande potência cinematográfica.

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    Sobre o autor

    Aristides Soffiati

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