desabafo
30/03/2017 10:30 - Atualizado em 30/03/2017 10:30
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                             Desabafo
                             Cândida Albernaz
Percebo o que pensa de mim e talvez eu mereça, mas a esta altura, mudar é difícil. Não é que não queira: não posso. E só quero algumas vezes, quando você diz que não aguenta.
Não ajo desta forma porque gosto, simplesmente não sei fazer diferente. Nunca aprendi.
Sempre soube que se sente enganada porque me apresentei a você como penso que sou. Um homem galante, atencioso, que ama em excesso. Só deixei que me visse de verdade quando já se sentia presa a mim.
Você me ama apesar de tudo e isso dói porque também a amo. Amar é pouco: sou louco por você. E é por esse motivo que a rasgo com palavras e atos. Tudo em nome do amor sem fim.
Quando a conheci era doce e alegre, hoje a vejo amarga e sorri apenas quando ordeno.
Não queria que fosse assim e peço desculpas mais uma vez. É do fundo de mim quando me desculpo e espero perdão. Não prometo que não farei mais. Porque vou. Muitas vezes mais.
Queria um filho, mas os médicos dizem que apesar de não haver motivo algum não consegue engravidar. Tenho uma opinião sobre isso: seu subconsciente não permite que eu a emprenhe. Não quer ficar ainda mais presa a quem lhe faz tanto mal.
Observo as crianças dos vizinhos e tenho inveja. Não gosto deste sentimento.
Às vezes é apenas porque não me dá esse filho que a agrido, às vezes é só por falta de qualquer motivo.
Não se iluda, não a libertarei de mim. Nunca.
Quantas vezes vi minha mãe tentar o mesmo. Papai não permitia. Sou como ele era.
Não vejo mamãe há alguns meses. Desde que foi presa, é a primeira vez que fico tanto tempo sem visitá-la.
Não adianta ter ideias. Você não é como ela e jamais vai conseguir fazer o que ela fez, não é do seu temperamento. Além de medrosa, já provei que não vale nada.
Meu pai foi um babaca. Confiou demais em si mesmo. Quando ela enfiou a faca nele várias vezes, o idiota dormia tranquilamente por conta da bebedeira.
Comigo é diferente, qualquer ruído me acorda e não como nada sem que você prove antes.
Quando falo com ela, pergunto se valeu a pena tantos anos numa prisão. Responde que mortos não sentem e que estava morta muito antes de ter entrado ali.
Amo minha mãe e tenho pena dela. Raramente tenho pena de você.
Em alguns momentos minhas ideias parecem ficar claras e digo a mim mesmo que vou procurar ajuda. Isso dura pouco. O suficiente para que bata de novo.
Com você percorro limites. Vou do amor ao ódio.
No início tentou revidar. Hoje chora, chora e isso me irrita. Disse-me outro dia que a qualquer hora vou acabar matando-a. Não posso imaginar perdê-la. Não saberia viver sem você.

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    Sobre o autor

    Candida Albernaz

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    Candida Albernaz escreve contos desde 2005, e com a necessidade de publicá-los nasceu o blog "Em cada canto um conto". Em 2012, iniciou com as "Frases nem tão soltas", que possuem um conceito mais pessoal. "Percebo ser infinita enquanto me tornando uma, duas ou muitas me transformo em cada personagem criado. Escrever me liberta".