espera
22/03/2017 06:38 - Atualizado em 22/03/2017 06:38
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Espera
Cândida Albernaz
Quanto tempo se passara desde que os vira pela última vez?
Estava pronta. Pediu que pintassem suas unhas e colocou um bonito vestido. Sentada na poltrona com a mala a seu lado, esperava que viessem buscá-la. Aprendera a controlar a ansiedade conseguindo não olhar o relógio nem um momento. Apenas observava o jardim, através da janela onde o vento fazia balançar as folhagens das árvores.
Sempre que se sentava ali sentia paz, mesmo quando era dia de chuva. Aquela janela parecia um quadro onde às vezes a tela era trocada.
O senhor Jorge veio chamá-la para que andasse um pouco, mas não queria. Guardava sua energia para quando as crianças chegassem e exigissem dela toda atenção. Sentia saudades das brincadeiras que fazia com os filhos. Costumavam brincar muito: era cabra-cega, pique-esconde, trenzinho, quando eles seguravam na cintura um do outro e corriam pela casa imitando o som de um apito bem alto... como era divertido. Adorava jogar bola com os garotos. Gostava de ficar com eles. O coração doía.
Estava pensando...será que ainda iam querem brincar com ela? Sua cabeça estava um pouco confusa. Não conseguia lembrar direito da idade deles.
Algumas vezes ficava quieta sem pensar em nada, apenas olhando à sua volta, porque pensar trazia recordações que provocavam lágrimas.
O senhor Jorge se aproximava de novo, agora para convidá-la a comer.
- Venha, coma algo e depois a senhora retorna.
Sorriu para ele. Não entendia que não sentia fome. Sentia saudade. E depois, quando o marido chegasse a levaria para almoçar em seu restaurante favorito. Há quanto tempo não ia lá! Começou a ter fome só em lembrar-se da Galinha ao molho pardo que preparavam. Seu prato predileto. Aposto que já fez reserva para os dois e os filhos. Sim, porque caso contrário não encontrariam lugar.
Passou a mão no cabelo branco, ajeitando uma mecha imaginária. Estava tranquila e sentia-se bem também, há muito ansiava por este dia. O dia de voltar para casa. Sua cama, televisão em frente à cadeira, a jarra sempre com flores... nunca a deixava vazia. Quando elas começavam a murchar, trocava-as por outras.
Nossa! Lá vinha o senhor Jorge. Começava a ficar aborrecida com ele. Insistia para que saísse dali. Será que queria seu lugar? A poltrona em frente à janela? Olhou-o com desconfiança.
Começava a ficar preocupada, se ele conseguisse tirá-la dali, de que adiantaria ter se arrumado toda? As crianças chegariam e não a veriam.
Tomou a vitamina que ele trouxera.
Escurecia lá fora e percebeu que as luzes do jardim começavam a acender.
Ficara pronta cedo demais, mas é que não queria deixá-los esperando.
Talvez fosse melhor pedir que ligassem para ver se já haviam saído de casa. Quem sabe os meninos estivessem tão sujos das brincadeiras e demoravam no banho? Ou qualquer problema no trabalho fizera o pai atrasar?
Toda sua vida era feita de uma espera constante recheada de talvez.
Agora acenderam as lâmpadas da sala. Será que ia chover e por isso escurecera rapidamente?
O senhor Jorge não desiste. Voltava e não estava sozinho. As duas meninas vestidas de branco se aproximaram e enquanto uma delas ajudava-a a levantar, a outra lhe oferecia um comprimido com um copo de água.
- Vamos senhora, é noite. Passou o dia sentada e nem mesmo comeu. Tome o remedinho, vai lhe dar tranquilidade
Não queria, ficaria sonolenta e gostaria de estar bem acordada quando chegassem. Sem querer jogou o copo longe e duas mãos a seguraram com firmeza enquanto outras forçavam-na a se levantar.
- Senhora, é tarde e precisa se alimentar e dormir.
- Não quero! Meus filhinhos vão chegar. Estão um pouco atrasados. Vamos almoçar todos juntos e depois iremos para casa. Que saudade, meu Deus. Que saudade de casa. Não me toquem, deixem que fique mais um pouco.
O comprimido fora engolido à força e as pernas não obedeciam. Foi carregada até o quarto.
Talvez amanhã. Acordaria bem cedo, se arrumaria e sentaria em sua poltrona que ficava em frente à janela de onde podia ver o jardim e então, suas crianças a veriam.
Tem esperado por isso. Amanhã conseguiria voltar para casa.

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    Sobre o autor

    Candida Albernaz

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    Candida Albernaz escreve contos desde 2005, e com a necessidade de publicá-los nasceu o blog "Em cada canto um conto". Em 2012, iniciou com as "Frases nem tão soltas", que possuem um conceito mais pessoal. "Percebo ser infinita enquanto me tornando uma, duas ou muitas me transformo em cada personagem criado. Escrever me liberta".