Dúvidas sobre a lagoa do Campelo
19/02/2017 19:25
Dúvidas sobre a lagoa do Campelo
Arthur Soffiati
 
Passei dos dias maravilhosos (18-19 de fevereiro) na companhia de geógrafos que receberam a conceituada geógrafa Sandra Cunha, da UFF, para que ela conhecesse, no campo, o complexo sistema hídrico que tem a lagoa do Campelo como centro. Foi uma visita técnica que me permitiu aprender muito mais sobre a região em que vivo e amo. Sempre aprendo porque, embora com 70 anos de idade, estou aberto ao conhecimento. Nossa excursão foi estritamente acadêmica. Infelizmente, como tenho história de ativista, não pude deixar de observar mudanças estranhas. Mesmo sabendo que nossa realidade ecológica muda a cada semana, voltei cheio de dúvidas sobre minhas constatações. Mas, certamente, estou errado. Por isso, gostaria que as autoridades, conhecedoras profundas da margem esquerda do rio Paraíba do Sul, no seu curso final, me esclarecessem e dissipassem minha ignorância.
As visitarmos as comportas do canal do Vigário, notei que o rio alcançou nível para fluir pelo canal. As comportas pareciam abertas, mas não havia nenhum fluxo, nem do lado do rio nem do lado do canal. A constatação foi feita com o lançamento de folhas e de galhos na água. Só se moveram por força do vento. Como tenho o INEA e o Comitê de Bacia do Baixo Paraíba em alta conta, concluí que a lagoa deveria estar cheia, sem precisar do aporte de água do Paraíba do Sul. Daí o fechamento das comportas. Ao passar pelo canal na lagoa de Brejo Grande, notamos que ela está seca. Apenas o canal do Vigário mostra água. Inclusive, duas pessoas pescavam nele. Então, pensei: nossas autoridades zelam pelo nosso patrimônio ambiental. Se aqui, a água parece escassa, não há dúvida de que a lagoa está cheia.
Chegamos à lagoa da localidade de Mundéus. Meu coração encheu-se de contentamento ao ver adultos, jovens e crianças se banhando nas águas do Campelo. E pensar que técnicos da FIPERJ vaticinaram, no auge da estiagem de 2014-15, que seriam necessários 20 anos para a recuperação da lagoa...
Para tirar a prova dos nove, contive-me até chegar ao vertedouro da lagoa para o canal Engenheiro Resende. Fui pensado comigo: a lagoa está tão cheia, tão saudável que, não tenho dúvidas, a água está vertendo e caindo no canal. Ao chegar lá, meu susto foi grande. A lagoa está praticamente seca na sua ponta norte. A distância entre a água da lagoa e o vertedouro é bem grande. Sobre o vertedouro de concreto construído pelo saudoso Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), órgão que me fez verter lágrimas copiosas quando foi extinto pelo ex-presidente Collor de Melo, de costas para a lagoa e de frente para o canal, olhei para a minha direita e vislumbrei, estupefato, uma vala que se estende de uma extremidade do vertedouro até a margem direita da lagoa.
Alguém desconhecido abriu a vala para retirar material e construir um dique. Segundo informações colhidas no local, o dique foi erguido por um proprietário para se apropriar de parte do leito da lagoa. Então, fui tomado de agradáveis recordações. Lembrei-me de um dique parecido, no mesmo local, embargado pelo ex-presidente da extinta SERLA, Jefferson da Silveira Martins, que veio a Campos vistoriar o local a meu pedido e declarou o embargo. Fiquei muito envaidecido pelo feito. Será que sofri de alguma ilusão ao pensar que a ordem do Dr. Jefferson não foi cumprida? Que o dique está lá desde a década de 1980? Mas fui alertado de que há dois meses, esse dique não existia. Sempre com o pensamento voltado para a seriedade do INEA e do Comitê, concluí que aquela invasão do leito para apropriação de terra não era do conhecimento de ambas as instituições. Tanto que, por esse escrito, denuncio aos dois essa invasão tão fora de moda.
No segundo dia de campo, fomos visitar as comportas do córrego da Cataia e do canal de Cacimbas. Meu coração não estava aflito, pois eu tinha certeza de que elas estavam fechadas para a lagoa, em nível tão baixo, não perdesse mais água. Sofri um grande trauma em verificar que as quatro comportas do córrego para o rio estavam abertas, permitindo que a água da lagoa fluísse livremente para o Paraíba do Sul. Isso só pode ser coisa de um vândalo, pensei.
Sempre confiante em nossas autoridades, continuamos nossa excelente excursão rumo ao canal de Cacimbas. Ao chegar lá, fiquei horrorizado. Além do fluxo de água em direção ao Paraíba do Sul, as duas comportas foram arrancadas. Que horror! Que medonho! Esse mundo está cheio de indivíduos maus, que não respeitam as pessoas e o ambiente. Vou correndo ao INEA e ao Comitê denunciar essas barbaridades, essas agressões aos bens públicos e ao bem comum, contribuindo para que o ressecamento progressivo da nossa amada região seja acelerado.
Em resumo, notei que a água do Paraíba do Sul para a lagoa do Vigário não está correndo, embora haja nível para o fluxo; que a lagoa está bastante detonada; que um dique certamente ilegal foi construído na ponta norte da lagoa; que as quatro comportas do córrego da Cataia estão abertas, permitindo que a lagoa perca ainda mais água; e que as duas comportas do canal de Cacimbas foram arrancadas.
Que mundo é esse, meu Deus?!

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Aristides Soffiati

    [email protected]